segunda-feira, 11 de maio de 2009

ARISTÓFANES


ARISTÓFANES. As nuvens, in Sócrates। Trad. Gilda Maria Reale Starzynsk. 1edição São Paulo. Nova Cultural, 1987 (Os Pensadores)


[1]Charles Fernando Gomes


A obra supracitada é configurada e narrada no contexto de uma comédia representada em 423 a.C. Nesta peça, Aristófanes deposita seu gênio cômico a serviço de uma corrente de pensamento muito poderosa na Atenas do século V. A obra esta pautada principalmente na crítica à educação nova, isto é, a dos sofistas, que no período citado eram acusados de demolir os valores morais, éticos e religiosos tradicionais, além de vender caro os discursos e argumentações, que eram capazes de conduzir a vitória de qualquer causa, fosse esta justa ou injusta.

O autor desencadeia no decorrer da comédia, uma aguçada sátira contra a figura de Sócrates, este que seus contemporâneos não conseguiam distinguir com clareza e nitidez dos sofistas. Sócrates é totalmente ridicularizado por Aristófanes nesta obra, é mostrado ao descer das nuvens num cesto, pois ali havia subido “para bem penetrar as coisas celestes”. Aristófanes conclama, em termos mal velados ao incêndio da “oficina do pensamento” de Sócrates. Um quarto de século separa a representação de “As nuvens” do “Processo de Sócrates”. Nada impede, porém, de pensar que Aristófanes talvez tenha contribuído para insurgir a opinião ateniense contra a pessoa do filósofo, confundindo-o deliberadamente com os sofistas. Em todo caso, é isso que Platão afirma em sua “Apologia a Sócrates”.

Aristófanes é o filósofo da “seriedade do riso”, sua comédia é composta por três elementos: razões políticas, razões sociais e o desencanto. Suas comédias caracterizam-se fundamentalmente de um contexto de guerra, paz, política, moral, educação e literatura, pois, estes são seus temas prediletos. O autor da obra “As Nuvens”, é um conservador com graça, o que podemos observar nesta obra em que ele toma a tese central (raciocínio justo/injusto) que trabalhava a nova pedagogia da época. A comédia “As nuvens” é essencialmente dirigida aos sofistas, aqui representados por Sócrates (raciocínio injusto), não tanto porque ele fosse o protótipo mais lídimo da sofística, mas, porque era de fato o filósofo mais conhecido e que aparecia com maior freqüência nas praças públicas. Aristófanes insurgia-se contra as suas propostas éticas e pedagógicas e pretende com bastante vigor provar as funestas conseqüências da nova pedagogia ensinada e aplicada por Sócrates. Sócrates é o grande influenciador dos jovens, estes que o seguem, o obedecem e possuem grande estima pelo seu saber, de fato, a imagem que se sustenta do filósofo é a de mestre, mestre do conhecer, conhecer que se inicia pelo próprio possuidor do conhecimento e se utiliza nos objetos interessados desse saber.

A arena que Sócrates duela é a linguagem e sua arma é a retórica, sendo assim ele se torna praticamente invencível quando a luta possui como ferramentas a argumentação e a persuasão, pois estas lhe são fiéis aliadas na hora de desmontar, ou melhor derrubar o adversário. Seus competidores por excelência são os sofistas, as “prostitutas do saber”, estes que a vendem por um alto preço. O feitiço vira contra o feiticeiro, ou melhor, o tiro saiu pela culatra. “As nuvens” retrata fidedignamente a epopéia do homem que deseja resolver seus problemas de forma falaciosa e desonesta. Estrepsíades deseja se libertar de suas dívidas e especialmente de seus credores pelo jeito mais fácil, pela porta larga, isto é, pela utilização de uma “razão injusta”, esta que lhe permitirá safar-se de todos os infortúnios de forma elegante e inteligente. As manobras que se pode fazer com uso impecável da linguagem e os apuros que por ela se pode livrar, o seduz de tal forma que ele apressadamente buscará a oficina de Sócrates e seus discípulos para aprender a arte de falar e ganhar fama pela excelência de seu uso.

Porém, o insucesso de Estrepsíades como discípulo, fora desanimador para o mestre Sócrates, que diante de tamanho fracasso que desempenhara seu iniciado decide dispensá-lo imediatamente, o que fará entrar em cena Fidípides (seu filho). Aluno de grande empenho e de destaque se torna um orgulho para seu pai, pois, Estrepsíades já começa a visualizar a derrota de seus credores diante da astúcia argumentativa e retórica que agora seu filho é possuidor. Fidípides já iniciado nas artimanhas da linguagem começa a resolver os problemas, mas não os do pai (para seu desgosto) e sim os seus em relação aos abusos e correções que sofrera de Estrepsíades quando criança. Fidípides aplica correções físicas em seu pai, relembrando as diversas advertências que seu pai fizera nele e utilizando-se da razão injusta, argumenta o porquê de seus atos com um linguajar irrefutável. Se antes o problema de Estrepsíades era os credores e as dívidas que possuía, agora o problema habitava dentro de sua casa, e como castigo era seu próprio filho, aquele a quem ele próprio investira, matriculando-o na oficina de Sócrates para combater seus infortúnios.

Enquanto Estrepsíades representava a velha guarda, que apóia-se na tradição, Fidípidis argumenta a partir da relatividade das leis e dos usos, estabelecidos convencionalmente, e apela para as leis naturais, de acordo com os ensinamentos dos sofistas, ele apela em última instância para a autoridade do mestre. É interessante esta observação, pois, a dor do pai se torna imensa quando observa que seu egoísmo só lhe corroera a alma, e se ele representava a velha guarda, o guardião das virtudes religiosas agora se deixara corromper pela luxúria e como recompensa perdera seu filho e seu juízo, como ele diz: “Ai, que falta de juízo! Como estava louco quando quis jogar fora os deuses por causa de Sócrates!” e prossegue “(...) mas, meu caro Hermes, não fiques com raiva de mim, não acabe comigo tenha compaixão, porque enlouqueci com fanfarronices!”. E no final da narrativa, num estado de iracunda profunda ele contrata alguns homens para atear fogo na oficina de Sócrates, que junto com seus discípulos fogem, pois, a oficina estava em chamas e nestas circunstâncias eles correm da perseguição que Estrepsíades investe contra eles, com o objetivo de espancá-los.

Mas, o que esta narrativa de Aristófanes possui de atual para estabelecer-mos um diálogo com nossa pedagogia contemporânea? De início, a relação Sócrates, Estrepsíades e Fidípidis que é central em “As Nuvens”, possui um caráter bem pedagógico se fizermos uma leitura atenta da obra. A psicologia que Aristófanes introduz na obra vem de encontro com a psicologia que muitos curadores e tutores utilizam com seus tutelados, ou até mesmo uma análise mais próxima que podemos fazer, se encontra nas instituições educacionais e formadoras, sejam elas provenientes da política, economia, educação, médica ou religiosa. Em todas podemos encontrar a figura horrenda de Estrepsíades, isto é, do homem que com o objetivo de se safar de seus problemas e receber prestígio massacrando a tudo e a todos pelo caminho da razão injusta utiliza-se de meios maléficos, como corromper o próprio filho para depois utilizá-lo em benefício próprio. Porém, nem sempre o fim desses aproveitadores é o castigo de beber do próprio veneno ou receber em dobro aquilo que ele buscou, almejou fazer de mal para o outro.

Hoje mais do que nunca a pedagogia moderna, a ciência capitalista, neo-liberalista e em especial o relativismo aliado ou secularismo coloca em cheque muitas de nossas tradições, ensinamentos, morais, éticas e compreensões de mundo. Uma leitura que Aristófanes fazia naquele período era o questionamento da educação domestica que se prestava aos jovens, o que hoje não deixa de ser uma leitura bem enriquecedora do ponto de vista humano, social e político. O Estado para os gregos era uma substancia geradora e organizadora, como o próprio Aristóteles afirmava. O estado como a cabeça das cidades que são seus membros, ele que exercia forte influencia na vida do cidadão ateniense, que fazia parte de sua vida e era de total interesse da sua família.

Contextualizando a obra, o que se apresenta de pano de fundo é uma grande crítica aos sofistas (nesta obra Sócrates é inserido como sofista), pois, sua posição na polis grega é perturbadora para os cidadãos. Não só por sua influência na vida dos jovens, mas principalmente na arte de corromper os jovens e conduzi-los a se rebelarem contra o sistema do Estado. Quando o logos passa de verbo, de palavra criadora para instrumento de retórica e persuasão, o grego observa a depravação e o desvirtuamento que o seu sagrado (o logos) começa a se tornar pelo mau uso, pelo uso interesseiro e ganancioso dos mestres da sabedoria, os iniciadores da arte do falar que se torna a arte de ter razão, de enganar e levar vantagem pelas vias do bom discurso.

Por fim, controvérsias a parte sobre a figura de Sócrates, se foi um filósofo ou um verdadeiro sofista, ele representa nesta obra a imagem do professor de nossos tempos, o responsável pela formação e instrução do aluno, do aprendiz. Sócrates é a caracterização do mestre que apenas proporciona o método para seus discípulos, porém deixa de lado os valores subjacentes concernentes que a prática deve possuir para tornar o método mais eficaz. Fidípides é o denominador comum, o resultado que aos nossos olhos é de grande valia, pois aprendeu corretamente e utilizou o que aprendeu com maestria, porém, e os valores éticos e morais, ele utilizou? Bem, ele não utilizou, pois a forma de utilizar não foi ensinada com a mesma maestria que a teoria. Coincidências a parte com nossos iniciados atuais, nossos aspirantes a políticos, generais, doutores e líderes religiosos que muito compreendem da teoria, mas na hora da aplicação deixam muito a desejar e diferentemente de Fidípides que bateu no seu pai (Estrepsíades), com o intuito de corrigi-lo por seu mau procedimento e mau caráter hoje quase que normalmente quem apanha pela má fé dos educadores são aqueles inocentes que nos observamos flagelados, excluídos e marginalizados na sociedade e não como a comédia de Aristófanes narra.


[1] Graduando em Filosofia pela PUCPR

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