domingo, 23 de novembro de 2008

SEMINÁRIO DE PESQUISA EM FILOSOFIA 24 e 26 de novembro de 2008 • Auditório Thomas Morus (CTCH-PUCPR)






GOLES DE SABEDORIA

Treinando para a Vida



Charles Fernando Gomes
Obra cinematográfica: Treinando para a Vida

O técnico Carter exigiu que seus alunos tivessem responsabilidade e compromisso não só com o esporte, mas também e principalmente com a Instituição escolar. Nisto estava implicado a responsabilidade com o rendimento escolar aliado ao rendimento com as disciplinas curriculares. Aristóteles no livro Ética a Nicômaco afirma que “embora seja desejável atingir a finalidade apenas para um único homem, é mais nobilitante e mais divino atingi-la para uma nação ou para as cidades.” (EN 1094 b), nesta citação observamos a semelhança da frase com o objetivo do técnico, isto é, ele almejava uma ética, isto é, atos que gerassem a seus alunos um bem em todas as dimensões.

“Se há então, para as ações que praticamos alguma finalidade que desejamos por si mesmas, sendo tudo o mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens” (EN 1094 a ss) O objetivo, a finalidade maior deve orientar nossas ações aconteça o que acontecer Carter foi obstinado e não esmoreceu frente as dificuldades, ao contrário, foi mais forte ainda, pois, lutou contra tudo e todos que não acreditavam em seu método.

“Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em si mais final que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa” (EN 1097 b ss). O técnico apresentou aos seus alunos-atletas que a dignidade deve se sobrepor a qualquer ato indigno que venha a prejudicar um ideal, um sonho e até mesmo a uma conquista. De que adianta o homem ganhar o mundo se não consegue vencer a si mesmo, dominar seus instintos e vencer seus desejos. Daí as virtudes são essenciais para caminhar na linha reta, para a auto-suficiência e para não desanimar.
O bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas (EN 1094 a ss). Os alunos ao vencerem uma partida de basquete e ir festejar na casa de Susan, deixaram de agir com as faculdades da alma e agiram com a emoção, isto é, não utilizaram à justeza da alma e a razão, e se deixaram levar pela vaidade da conquista, esta que foi interrompida sabiamente por Carter, que os repreendeu e lhes deu uma lição de vida. Na frase de Aristóteles “no homem temperante o elemento apetitivo deve harmonizar-se com o princípio racional, pois o que ambos têm em mira é o nobre, e o homem temperante apetece as coisas que deve, da maneira e na ocasião devidas; e isso é o que prescreve o princípio racional“ (ARISTÓTELES, 1973, p.298), reconhecemos a necessidade da temperança no homem, esta que lhe norteia as ações.

Semelhantemente a temperança, é indispensável no equilíbrio do homem, isto é, o meio termo. Aristóteles afirma que “a virtude moral é um meio termo , e em que sentido devemos entender esta expressão: e que é um meio-termo entre dois vícios, um dos quais envolve excesso e o outro deficiência, e isso porque a sua natureza é visar à mediania nas paixões e nos atos” (ARISTÓTELES, 1973, 278). A moral, os atos moralmente realizados, esta foi uma das exigências que o técnico fez não somente a seus alunos mais também a diretora da escola, exigindo que ele desempenhasse seu papel como educadora e incentivasse-os como ele. Despertasse o empenho de seus alunos nas disciplinas curriculares e pudesse contar com a ajuda dos demais professores nesta tarefa.

Quanto à estabilidade e à organização social do governo, Aristóteles definia como timocracia (timé = honra), onde o poder político seria exercido pelos cidadãos proprietários de algum patrimônio e que governariam para o bem comum. Em outros momentos este regime ideal é chamado de politéa (governo da maioria, mas regido por homens selecionados segundo a sua renda), que ele classifica entre as constituições retas. (cf.ARISTÓTELES, 2000, p.249-250). Talvez, Carter estivesse pensando numa politéia como modelo para a escola que ele trabalhava, ou seja, uma forma de administrar a escola em que os alunos e até mesmo a diretora da escola seguissem constituições retas, estas que seriam bússolas para todos os componentes da instituição.

Do ponto de vista ético, o professor Carter foi o modelo por excelência, devido a se manter firme até mesmo quando ninguém mais o apoiava. A determinação do professor lhe tornou um grande defensor de sua causa. Por fim, podemos observar a diferença que ele fez na vida de seus alunos, isto se fez claro ao término do filme, pois, todos os alunos-atletas conseguiram mudar suas vidas e se tornarem responsáveis por si mesmos porque alguém acreditou neles, o professor, amigo e técnico Cárter.

Por fim, destaco a figura maior da filosofia e teologia do cristianismo, isto é, Santo Agostinho. Agostinho afirma: “Voluntas igitur nostra nec voluntas esset, nisi esset in nostra potestate. Porro, quia est in potestate, libera est nobis / Portanto, a nossa vontade não seria vontade se não estivesse em nosso poder. Efetivamente, por estar em nosso poder, é livre para nós” (III, 3, 8). Em suma, é de tamanha urgência que compreendamos o poder que nos é dado, devido ao livre arbítrio ser de uso totalmente responsável de nossa consciência. Isto se fez claro, o mestre Carter fez que no uso da liberdade de seus alunos, eles optassem pela liberdade de ser responsáveis, autônomos e fortes, isto é, que eles optassem primeiramente pela direção madura de suas vidas.


Referências

ARISTÓTELES – Ética a Nicômaco. (tradução, introdução e notas por: Mário da GamaKury).Brasília:UNB,1985.
ARISTÓTELES – Política. 3ªed. Brasília: UNB, 1985
Bento XVI. Homilia na celebração eucarística na Esplanada do Venerável Colégio Borromeu. Pavia, 22 de abril de 2007.
SANTO Agostinho. De Magistro. In: Santo Agostinho, São Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção Os Pensadores.





quinta-feira, 30 de outubro de 2008

CETICISMO E INDUÇÃO EM FRANCIS BACON


EVA, Luiz A.A. Sobre as afinidades entre a filosofia de Francis Bacon e o ceticismo. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/kr/v47n113/31142.pdf>. Acesso em: 18 de outubro de 2008. [1]

Charles Fernando Gomes[2]

No presente artigo, o autor tem como objetivo principal, apresentar o papel que o ceticismo desempenhou na reflexão filosófica de Francis Bacon (1561-1526) de uma forma mais relevante do que se tem usualmente reconhecido. Afirma Eva, que Bacon desejou não só a posse do novo método de investigação da natureza que ele anunciou mais também a plena efetivação do projeto de estabelecer uma ciência acerca das formas das próprias coisas.

Uma similaridade, ainda que restrita, entre o olhar cético diante do panorama dos saberes humanos, tal como situado no momento inicial de sua investigação. Argumenta o autor do artigo, dando ênfase aos ídolos do saber (teoria que nasceu, segundo seu estudo, da proximidade e formalização da crítica do conhecimento dos céticos), que Bacon compreendeu como vicissitudes difíceis de serem desenraizadas, devido, a dificuldade de purificar o entendimento humano.

Quais são as fontes céticas de que efetivamente se serviu Bacon? Como ele as interpretou? Apesar de não aprofundar nestas questões, Eva mencionado o aforismo 67 do Novum Organum (publicado em 1620) no qual Bacon afirma: Esse procedimento é certamente mais honesto do que aquele dos pronunciamentos arbitrários, posto que tais filósofos declarem, em sua defesa, não obstam de modo algum a investigação, como fizeram Pirro e os Céticos (Ephetici), mas sustentam como dignas de aprovação (probabile) as opiniões que adotam, sem, contudo aceitá-las como verdadeiras.

O doutor em filosofia acrescenta os filósofos Sócrates, Cícero e Montaigne como possíveis literaturas que despertaram o espírito crítico de Bacon para a apreciação e observância da fraqueza dos métodos filosóficos. Em suma, é possível que Bacon tenha constituído um elo importante na própria constituição da noção de um ceticismo mitigado, bem como na construção moderna da imagem historicamente discutível do ceticismo pirrônico como uma filosofia cuja radicalidade dubitativa a oporia inapelavelmente aos ideais modernos de investigação da natureza.

Por fim, Eva argumenta sobre o desconhecimento da filosofia de Bacon na modernidade, pois, a posteridade se voltou mais para a dúvida metódica cartesiana quando buscaram uma versão moderna do ceticismo na investigação dos ecos mais adequadamente presentes na doutrina dos ídolos, que, mesmo sem ser cética, seria, aos olhos de seu proponente, portadora de um interesse autônomo e de uma potencialidade para a atualidade filosófica nos problemas que oferece, para além de sua própria tentativa de solucioná-los. Ao menos, a filosofia baconiana se oferece, em vista desses elementos, como um capítulo à parte, importante e ainda insuficientemente pesquisado, da transmissão e da transformação do legado crítico do ceticismo antigo na modernidade.


[1] Doutor em Filosofia, professor da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq. Artigo recebido em ago./05 e aprovado em jan./06.

[2] Licenciando em Filosofia pela PUCPR।


Silva, Fernando Marinheiro. Sobre a Indução em Francis Bacon. Disponível em:<http://www.urutagua.uem.br/014/14silva_fernando.htm. pdf>. Acesso em: 18 de outubro de 2008. [1]

Charles Fernando Gomes[2]

Neste presente artigo, Silva estabelece desde a introdução, o contraste do método indutivo e da indução na concepção baconiana. Francis Bacon (1561-1526) em sua obra magna, Novum Organum (publicada em 1620) considerava irrelevante o método da indução, isto é, o método científico por enumeração simples que predominava no sistema de Aristóteles e nos aristotélicos escolásticos do período medieval (o autor considera a crítica de Bacon mais acentuada nos aristotélicos do que no próprio Aristóteles) e enaltece o método indutivo, ou seja, da eliminação, da exclusão, da rejeição das naturezas singulares, fazendo este percurso que seria um novo método de indução.

No segundo capítulo, sobre a teoria dos ídolos, observamos o desenvolvimento do artigo pautado no que Bacon justificou como fundamental para o desenvolvimento do método científico, isto é, seu novo método de indução e as inferências, estas que seriam mais seguras e sólidas do que naquele método de enumeração simples (aristotélico). Os ídolos baconianos, são uma breve exposição que se faz necessária para clareza do objeto que será tratado, pois o propósito da teoria dos ídolos é livrar as mentes dos homens de preconceitos, noções falsas e de todos os obstáculos ao progresso das ciências, para que possa ser realizada a sua instauração, e, desse modo, ser implantada a indução verdadeira para a interpretação da natureza.

Por fim, no terceiro capítulo, que é o arremate do estudo do autor do artigo, destaca-se o argumento preciso do novo método da ciência (indutivo) estabelecido por Bacon que possuíra como um dos fatores mais importantes um meio de ordenação e de classificação da realidade natural. O que representa um fio capaz de guiar o homem dentro da caótica selva e do complicado labirinto que é a natureza. E termina enfatizando a diferença da indução de Bacon para a de Aristóteles, sendo que a segunda apenas ordena o já conhecido, enquanto a baconiana amplia o conhecimento, fazendo progredir, desse modo, o saber. Percebe-se, daí, que a grande inovação introduzida no método de Bacon é o caráter eliminativo que a indução passa a ter, em outras palavras, como termina o artigo a eliminação de possibilidades concorrentes.


[1] Fernando Marinheiro da Silva é licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá—UEM.

[2] Licenciando em Filosofia pela PUCPR.


REVOLTA DE CLASSES NA FRANÇA DO SÉCULO XVIII


REVOLTA DE CLASSES NA FRANÇA DO SÉCULO XVIII

Charles Fernando Gomes


I. Resumo:

A presente obra detém à narrativa do operário Contat, que descreva o sedicioso massacre dos gatos, mais especificamente no segundo capítulo, a revolta dos trabalhadores em Paris durante o fim da década de 1730. Contat debruça-se no contexto histórico de uma França em pleno século XVIII, século de sua revolução, período este bastante conflituoso. Predominavam as rivalidades entre assalariados e mestres, ou melhor, proletários e burgueses, na qual resultavam grandes manifestações e rebeliões, estas silenciosas ou explícitas entre classes sociais. Um período vulcânico que Contat nos apresenta na sua estória particular em linhas, e a história Européia nas entrelinhas, notas e parênteses de sua obra.

Palavras-chaves: Europa – França – classes – revolução – massacre – gatos.

II.Abstract:

This book has the narrative of the Contact worker, describing the massacre of seditious cats, especially in the second chapter, the workers' revolt in Paris during the end of the decade to 1730. Contact looks at the historical context of a France in the eighteenth century, a century of his revolution, this time very confrontational. Predominated the rivalry between employees and teachers, or better, proletarian and bourgeois, which resulted in large demonstrations and rebellions, these silent or explicit between social classes. A period that volcanic Contact us presents in its story lines in particular, and European history between the lines, notes and brackets of his work.

Keywords: Europe - France - classes - revolution - massacre - cats.

1. Introdução.

Não pode haver dúvida sobre a autenticidade da autobiografia quase ficcionalizada de Contat, como Giles Barber demonstrou, em sua magistral edição do texto. Pertence a linhagem de escritos autobiográficos de tipógrafos, que se estende de Thomas Platter a Thomas Gent, Benjamin Franklin, Nicolas Restif de la Brettonne e Charles Manby Smith. Como os tipógrafos, ou pelo menos, os que compunham o texto, tinham de ser razoavelmente instruídos, para executar seu trabalho, eles estavam entre os poucos artesãos que podiam fazer seus próprios relatos sobre a vida das classes trabalhadoras há dois, três ou quatro séculos. Com todos seus erros de ortografia e falhas gramaticais, o relato de Contat é, talvez, o mais rico de todos. Mas não pode ser encarado como reflexo exato do que realmente aconteceu. Deve ser lido como versão que Contat dá de um acontecimento, como sua tentativa de contar uma história. Como todas as narrativas, esta coloca a ação numa estrutura referencial; supõe certo repertório de associações e respostas, da parte de sua audiência, e proporciona uma forma significativa à matéria-prima da experiência (DARNTON, 1986, p. 107) .


2. Realidade social das classes e a história do grande massacre dos gatos.

Ao autor inicia o segundo capítulo, narrando episódios verídicos do cotidiano oprimido dos aprendizes, isto é, a extrema injustiça, a qual nomeia de assunto dos gatos, tomando lugar especial em sua estória, semelhantemente, como ocupava nas casas da Rua Saint Séverin. E assim descreve: Dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e os maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer a não ser sobras (...). Pior ainda, o cozinheiro vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato - velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar, e então, passavam para os gatos, que os recusavam (DARNTON, 1986, p.103-104).
Inicialmente Contat refere-se a um casal burguês, este que possuía vinte e cinco gatos. Os gatos costumavam vagar durante a noite nos telhados das casas dos operários, ou seja, no período de descanso daqueles que laboriosamente trabalhavam para o burguês desde antes de o dia amanhecer. Os bichanos uivavam e miavam de forma terrível (como descreve Contat), a ponto de acordar não só os operários mais também o casal burguês (porém, estes podiam dormir até mais tarde). Por fim, o casal manda os aprendizes se livrarem dos gatos, o que deu início a um festival de horror e violência, um genocídio dos felinos que não escandalizava nem um pouco seus algozes, que ao contrário, divertiam-se e caíam na gargalhada.

2.1 Visão antropológica da Europa pré-industrial .

Contat apresenta a seguinte questão: Onde está o humor, num grupo de homens adultos balindo como bodes e batendo seus instrumentos de trabalho, enquanto um adolescente reencena a matança ritual de um animal indefeso? Nossa incapacidade de entender tal gesto grosseiro e impiedoso dos operários da Europa pré-industrial é o indício de nossa distancia, segundo o autor, da partida de uma investigação, porque os antropólogos descobriram que as melhores vias de acesso, numa tentativa para penetrar numa cultura estranha, podem, ser aquelas em que ela parecer mais opaca. Quando se percebe que não se entende alguma coisa, uma piada, um provérbio, uma cerimônia particularmente significativa para os nativos, existe a possibilidade de se descobrir onde captar um sistema estranho de significação, a fim de decifrá-lo. Entender a piada do grande massacre dos gatos pode possibilitar o entendimento de um ingrediente fundamental da cultura artesanal, nos tempos do Antigo Regime (cf. DARNTON, 1986, p.106-107).
A primeira explicação para o fenômeno do grande massacre dos gatos, segundo o autor, esta nesta visão antropológica acima citada, ou mais claramente, no episódio (do massacre) como um ataque indireto aos seus patrões burgueses e ao sistema que regia na época pré-industrial. A violação das necessidades fundamentais da vida como: trabalho, comida e sono por parte do sistema que injustamente trabalha contra eles. Isto se transformou em revolta, levando os operários a promoverem uma verdadeira barbárie com os animais, para expressar tamanha insatisfação com a realidade que os assolava.

2.2 Compreendendo o contexto histórico da Europa no século XVIII.

Antes do episódio, Contat resgata o período ilídico, antes do início da industrialização, período este que alguns descrevem como uma espécie de família ampliada, na qual, o patrão e os empregados viviam harmoniosamente. Comiam a mesma comida, faziam à mesma tarefa e algumas vezes, dormiam debaixo do mesmo teto, mas, será que alguma coisa aconteceu para envenenar a atmosfera das gráficas de Paris, por volta de 1740?(cf. DARNTON, 1986, p.108).
Tomemos nota que durante a metade do século XVIII, o governo apoiava às indústrias, neste movimento governo/indústria, as pequenas oligarquias de mestres eram pressionadas para produzir segundo estimativas e estatísticas de produto e capital rendosos para o Estado, o que de outro lado sobrecarregava os oficiais assalariados, porque, a necessidade de sua mão-de-obra aumentava. Assim tornando-os uma lucrosa ferramenta para o sistema, fonte de recurso comum, pois, poderiam aumentar o investimento em maquinários, exportações, importações e negócios políticos, já que, o gasto menor, o assalariado, era evidentemente menos custoso e mais rendoso, além de ser produto descartável e substituível, menos arriscado em assuntos capitais. Possibilitando investimento significativo para o maquinário nas fábricas e possíveis reposições, aumento de capital para manter o andar em passos largos do sistema industrial do Estado.
Neste movimento pré-capitalista, os empregados não atingiam a condição de mestres. Os mestres distanciavam-se dos assalariados, rumo a um mundo separado, isto é, aonde sua cultura, alimentação, linguagem e relações sociais eram bem diferentes ocasionando a cisão das classes. Mas porque gatos? E porque a matança de gatos? Essas perguntas nos levam para além das considerações referentes às relações de trabalho no início dos Tempos Modernos, conduzindo-nos ao obscuro tema dos rituais e do simbolismo popular. (cf. DARNTON, 1986, p.113).

2.3 Simbolismo popular, folclore, carnaval e devoções nos Tempos Modernos.

Os folcloristas familiarizaram os historiadores com os rituais que marcavam o calendário do homem do início dos Tempos Modernos. O carnaval era período de crítica, para os grupos de jovens, particularmente os aprendizes, que com músicas grosseiras e fantasias, tinham o objetivo de denunciar a promiscuidade e a infidelidade de mulheres com seus esposos, isto é, faziam piadas como manifesto para qualquer personificação de infração contra a moral e os bons costumes tradicionais da época. Temporada de hilaridade, da sexualidade e dos jovens se esbaldarem (...). Um período em que a juventude testava fronteiras sociais, através de irrupções limitadas de desordem, antes de ser outra vez assimilada pelo universo de ordem, submissão e seriedade da quaresma (cf. DARNTON, 1986, p.113).
Manifestos estes que habitavam também na devoção religiosa popular. No século XVIII, os mestres haviam excluído os assalariados da confraria devota a São João Evangelista e São Martinho , mas, o que não impedia dos trabalhadores de realizar suas cerimônias nas capelas. De um lado o burguês fanático supersticioso e do outro os operários posicionavam sua república contra este mundo burguês, isto é, o ethos burguês versus o ethos assalariado.


3. Os gatos e seu simbolismo/significado na Europa dos Tempos Modernos .

E os gatos? A tortura de animais, especialmente os gatos, era um divertimento popular em toda a Europa, no início dos Tempos Modernos. Basta examinar as Etapas da crueldade, de Hogarth, para verificar sua importância e, quando se começa a procurar, encontram-se pessoas torturando animais em toda parte. As matanças de gatos tornaram-se um tema comum na literatura, desde Dom Quixote, no início do século XVII, na Espanha, ao Germinal, no fim do século XIX, na França. Longe de ser uma fantasia sádica da parte de alguns loucos, as versões literárias da crueldade para com animais expressavam uma corrente profunda da cultura popular, como mostrou Mikhail Bakhtin, em seu estudo de Rabelais (cf. DARNTON, 1986, p.122-123).
Mais qual o significado que aquela cultura atribuía aos gatos? Os gatos nos Tempos Modernos Europeu representavam certa concepção mítica, contos populares (como o gato de botas), ritos, cerimônias, sexualidade e até superstições, como podemos observamos no século XV, pois, ter gatos como bichos de estimação, era recomendado para se ter sucesso com as mulheres, se expressa isto no provérbio sapiencial quem cuida bem dos gatos, terá uma mulher bonita, ou no folclore francês que atribuiu importância especial a eles, como metáforas ou metonímias sexual, devido a sugerirem fertilidade à sexualidade feminina.
Nas festas pagãs, como o carnaval, diferente das concepções acima relacionadas, os gatos eram sinal de violência e sempre terminavam massacrados, martirizados e manipulados para zombaria relacionando-os a sociedade e suas mazelas. Os gatos simbolizavam a revolta das classes no final do século XIX, início do proletariado. Os massacres resgatavam o retrato fidedigno dos protestos classicistas contra a burguesia que os escravizava, alienava e massacrava.
Devemos assinalar que todos os operários estão unidos contra os patrões. Basta falar mal deles (os patrões) para ser estimado por toda assembléia de tipógrafos. Esta era a linguagem e o espírito que compunha a relação e a união da classe operária, em outras palavras, independente do que for ou do que tenha ocorrido, seriam todos contra os patrões e todo sistema industrial.

4. Considerações Finais.

A obra descreve de forma bem cabal o mundo da vida dos proletários, os Tempos Modernos como o símbolo maior do massacre humano, cheio de linguagens, signos e referências de um profundo sentimento de exclusão e marginalização que se transformara em protesto. A modernidade como um projeto inacabado se insere neste contexto que sai do religioso para o profano, da razão para o irracional, do sapiens para o demens, a demência do homem.
O filósofo contemporâneo, Jurgen Habermas (1929 - ) , na obra o discurso filosófico da modernidade, vem ancorar este tema e desmembrá-lo para uma genealogia da modernização e escreve: o conceito de modernização refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas (HABERMAS, 2002, p. 5-6).
Isto se faz claro, não será o sistema capitalista que em sua engrenagem engendrada fará a rotação que substituirá do centro do sistema terrestre, que hoje habita o capital para colocar no lugar a vida humana. A modernidade se desvincula do contexto histórico de uma forma parcial e neutra, fazendo assim um salto triunfante para o abismo aonde a racionalização e o técnico cientificismo se tornam mitos e o homem mero coadjuvante.
A razão deu lugar ao capital, isto significa que a racionalidade que antes justificava o homem moderno para sua conduta moral, fora desabada pela ganância que o capital alimenta e faz necessária para a sobrevivência da humanidade. Partimos assim do divino para o racional nos séculos XV e XVI, do racional para o capital dos séculos XVII e XVIII e nos últimos tempos, isto é do século XIX ao XXI do capital simbólico para a tecno – ciência neutra, progressista e diabólica da pós - modernidade.
Por fim, nos perguntamos: Quando a humanidade será a pauta principal de nossas discussões? Se o que tem por vir seja bom ou ruim, será realizado pela influência do homem, então, porque não pensemos na humanidade como um projeto para o presente e para o futuro? Tais perguntas nos convidam a uma profunda reflexão da existência e um cuidado para com o nosso modo de viver o mundo da vida , pois, da forma que a evolução caminha, futuramente escreveremos uma obra chamada o grande massacre, aonde os gatos serão substituídos pelos homens, e terá como autor e personagem principal dessa história, o próprio homem, isto é, o homo sapiens sapiens.





5. Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfred Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

¬¬¬¬¬________________. Os trabalhadores se revoltam. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Português-Inglês. 2. ed. Rio de Janeiro: MEC/DNE, 1956.

HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Site: http://pt.wikipedia.org/wiki, acesso realizado no dia 24 de outubro de 2008, às 20 horas.













sexta-feira, 24 de outubro de 2008

अस criançअस अबैक्सो sãओ ओ चार्ल्स ऐ ओ Antôनियो ?


Projeto do Vídeo A Filosofia na PUCPR

Antônio Macedo dos Santos

Charles Fernando Gomes[1]

Tema: Globalização na PUCPR.

Foco do Tema: Um olhar filosófico em relação à globalização na PUCPR e seus moradores cosmopolitas.

Objetivos Teóricos:

Compreender este movimento e seus efeitos;

Qual o conceito que se tem deste movimento;

Compreender o homem dentro desse movimento;

Procedimentos Teóricos:

Vamos tratar o tema com uma abordagem filosófica, uma recapitulação do conceito de homem e seu movimento no universo acadêmico da PUCPR.

Procedimentos Práticos:

Primeira parte:

Começaremos o vídeo com imagens (fotografadas ou em movimento) que ressaltem as diversas culturas, etnias, nações, religiões e estados que estão representados pelos professores, alunos e funcionários da universidade.

Segunda Parte:

Abordaremos o significado de conceitos e linguagem. Realizaremos entrevistas com os respectivos cosmopolitas que estão na PUCPR, trabalhando as respectivas questões:

Quem é você? De onde você veio? Porque escolheu estar aqui (na PUCPR e no Brasil)? Quais seus planos? Planos aqui no Brasil e no Paraná? E por fim, pode deixar uma mensagem?

Terceira Parte:

Passaremos um clipe que englobe este tema e possua uma reflexão acerca do objetivo teórico (tratado acima).

Considerações Finais:

Temos por objetivo principal, trabalhar neste vídeo o que passa um pouco despercebido por nós (universitários) que é o fenômeno da globalização que acontece de forma bem ativa perto de nós.


[1] Licenciandos em Filosofia pela PUCPR

sexta-feira, 17 de outubro de 2008



Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...

O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.

No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira.

Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.

Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.

William Shakespeare

Reflexão do filme Ao mestre com carinho

Charles Fernando Gomes[1]

Palavras-chaves

alunos --- motivação -----escola-----conflitos-----realidades----superação---amor

O tema principal do filme se encontra presente na vida do jovem professor Mark Thackeray. Este que se lança em uma obstinada missão, isto é, assumir a turma mais indisciplinada e baderneira do colégio e torná-los jovens responsáveis, educados e conscientes. A obra é convidativa para seu telespectador, especialmente se este for um docente ou alguém que aspire a profissão honrosa e desafiadora de ensinar.

Como amar nossos alunos? O professor Mark, responde esta pergunta em todo decorrer da obra, porém, não com só com palavras, mas, com ações concretas. Seus primeiros obstáculos são sua etnia (negro) e sua inexperiência (recém-formado), além da desmotivação da escola para com os alunos em questão e para com a competência do professor. Como utilizar nossos pontos fracos em pontos fortes? Sua superação foi brilhante, a transformação iniciou por ele mesmo, isto é, do método piloto automático que ele assumirá no início ao método transformador que ele adotou mais tarde, para ser mais claro, Mark iniciou a metamorfose em si mesmo para depois iniciar com sua turma impossível.

De fato, o amor transforma e nos transforma junto, sua frieza e dureza se abrandaram ao se deparar com a infeliz realidade de seus alunos. Jovens desmotivados, conflituosos, isolados, desacreditados, com problemas de família, ou seja, crianças adultas jogadas ao existir sem saber como viver, sem saber o que fazer como agir, como levantar a cabeça e mudar de vida. É neste momento que a sala de aula que antes fora palco de grandes discussões, indisciplinas e desavenças tornou-se palco de expressivos gestos de amor, cuidado, carinho, dedicação e um profundo respeito humano e existencial do professor em relação a seus discentes.

A junção do conteúdo escolar com o conteúdo de vida tornou a relação de ambos (professor-aluno) um sinal de esperança, a troca de experiências se tornou comum. Alunos aprendendo a arte da culinária, conhecendo museus, mergulhando na cultura dos belos quadros, estátuas e no mundo dos livros. A revolta agora se convertera em força para seguir em frente, para assumir suas identidades como adultos, o que observamos no respeitoso tratamento deles entre si que se chamavam agora de senhores e senhoritas. Os alunos saem da caverna e desvelam a luz, a liberdade de ser quem se quer ser realmente, isto é, não ser fruto de rebeldia, de massa e de menosprezo, mais assumir sua liberdade como fruto de uma profunda reflexão de si, de maturidade e de crescimento.

Alguém olhou para nós! Esta exclamação foi o imperativo de renovação para os alunos vencerem suas paixões. Tenho que leva-los até o ponto, esta frase do filme A onda, encerra de forma esplêndida a brava missão do professor, este que acreditou até quando ele próprio desacreditava. Assumiu a turma quando ninguém mais tinha coragem, foi enérgico ao definir regras de comportamento para os alunos mesmo diante de ameaças dos próprios que resistiam, reconciliou pais com filhos defendendo acima de todas as lágrimas e ressentimentos o amor, o perdão e o diálogo, diante da intransigente do professor de educação física e do constrangedor confronto do docente com seus alunos, usou de sabedoria para resolver o problema, e além de todas as dificuldades que enfrentou manteve-se paciente para entender e não magoar os sentimentos nobres de uma aluna para com ele, esta que se apaixonou pelo professor.

Foi pai, mãe, amigo e acima de tudo mestre, um verdadeiro professor que utilizou de carinho para com aqueles que todas as necessidades que possuíam esta era a mais urgente. Ao mestre com carinho revela de forma simples as possíveis dificuldades que um professor pode encontra em seu percurso docente e os métodos que ele utilizar para resolver, para sarar as enfermidades que acontecem no ambiente escolar.

Por fim, relato uma experiência bem semelhante que obtive nesses anos de vida religiosa: No ano de 2006, na cidade de Itatiaia, município do Estado do Rio de Janeiro, cidade esta que se encontra na diocese de Barra do Piraí - Volta Redonda, fazíamos pastoral duas vezes na semana coma as crianças que habitavam neste município em uma comunidade sem-terra. No início me deparei com uma turma de meninos e meninas totalmente indisciplinados, nervosos e rebeldes. Reproduziam os discursos inflamados de seus pais, as revoltas para com a sociedade e um profundo sentimento de marginalização, de esquecimento e de exclusão.

No decorrer do ano, em muitos momentos me senti desmotivado, sem esperanças para mudar aquela realidade, porém fui percebendo que a mudança deveria iniciar em mim, em meu jeito de ser, de pensar e de agir. A partir disso, senti mais prazer em dar catequese, pude notar mudança naquelas crianças, e o que antes era escuridão agora se tornara luz. Isto esta claro, como o professor do filme teve de acreditar em si para seguir em frente eu também tive que acreditar em mim para caminhar com minha fé e esperança.

Obtive bons resultados. Sei que faz quase dois anos que não vou lá, porém, acredito que a mudança gerou vida e confiança para os alunos e para mim a mais valiosa experiência de vida, de superação e docência.


[1] Licenciando em Filosofia pela PUCPR



A CASA DE SALOMÃO


BACON, Francis. Nova Atlântida. Trad. José Aluysio Reis de Andrade. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 b.

A CASA DE SALOMÃO

Charles Fernando Gomes[1]

O sentido mais subentendido que encontramos em Nova Atlântida, concebe o propósito de Bacon (1561-1626) em apresentar um modelo ou a descrição de uma instituição, isto é, uma universidade instituída com o desígnio de empenharem-se na interpretação da natureza e produção de grandiosas e estupendas invenções, produções e obras que serão frutos e benefício para a humanidade. Na célebre Casa de Salomão ou Colégio dos Trabalhos dos Seis Dias (como batizou sua obra), o filósofo refletiu e formulou o império dos homens, em outras palavras, sua senhoria formulou um corpo de leis e pensou no melhor dos Estados, ou em uma comunidade exemplar, clássica e imperial. Trata-se de uma obra arquitetônica, e para este trabalho (em particular no que concerne à edição inglesa), Bacon assinou este lugar, tendo em vista a estreita afinidade (com uma das partes) da precedente História Natural segundo W. Rawley[2].

Somos homens atirados a terra (...) mas nos encontramos entre a vida e a morte, porque estamos além do Velho e do Novo Mundo; e só Deus sabe se voltaremos a Europa. Uma espécie de milagre nos trouxe aqui e só algo semelhante nos pode levar de volta (BACON, 1979, p. 242). O escritor inglês narra no princípio, o velejamento (à terra prometida por Deus) e posteriormente a perda da rota até o advento na ilha dos milagres, nas profundezas do coração de Deus. Foram fraternalmente acolhidos pelos moradores e principalmente pelo governante da aldeia celeste que os recebeu e explicou a origem de tamanha universidade técnica proferindo as seguintes palavras: Devereis compreender caros amigos, que entre os excelentes atos daquele rei, um acima de todos teve preeminência. Foi a fundação e instituição de uma ordem ou sociedade a que nós chamamos de Casa de Salomão, que consideramos a mais nobre fundação que jamais houve sobre a terra, e é o farol deste reino. Ela é dedicada às obras e criaturas de Deus. Pensam, alguns que leva o nome de seu fundador, algo modificado, como se fala. Portanto, entendo que leva a denominação do rei dos hebreus, que é famosa entre vós, e conhecido entre nós, pois temos muitas partes das suas obras que, entre vós, se perderam, a saber, a História Natural. Fala de todas as plantas, do cedro do Líbano ao musgo que cresce nas paredes, e de todas as coisas detentoras de vida e movimento. Isto me fez pensar que nosso rei, encontrando-se de acordo em muitas coisas com aquele rei dos hebreus (que viveu muitos anos antes dele, honrou-o com o nome desta fundação). E estou inclinado a ser desta opinião, porque descobri que, em antigos relatos, esta ordem ou sociedade é às vezes denominada Colégio da Obra dos Seis Dias. (BACON, 1979, p.249-250)

A finalidade da Casa de Salomão é o conhecimento das causas e dos segredos dos movimentos das coisas e a ampliação dos limites do império humano para a realização de todas as coisas que forem possíveis (BACON, 1979, p.262). O governador da cidade após estabelecer o objetivo da Instituição, isto é, relação da verdadeira organização, ele apresenta os preparativos e instrumentos de que dispõem para os trabalhos e descreve os vários empregos e funções atribuídas ao habitante como as normas, celebrações e ritos[3] que os moradores precisam observar e adotar como meta de vida na comunidade natural. Para a organização da pesquisa científica destacam-se os mercadores da luz, os homens do mistério, os mineiros ou pioneiros, compiladores, os doadores e benfeitores e os íntérpretes da natureza [4].

Da pesquisa científica e seus afazeres, o profeta da ciência moderna, reláta-nos também, todas as maravilhas naturais que encontrou na ilha (sobretudo as que servem ao homem) narrada por um padre (que visita à ilha de doze em doze anos) que escolheu Bacon para explicar e fazer a relação da verdadeira organização da Casa de Salomão. Ele descreve os métodos científicos que a ilha possui para: prolongar a vida, restituir a juventude, curar doenças consideradas incuráveis, aumentar e elevar a capacidade cerebral, fabricar novas espécies, transplantar uma espécie em outra, tornar os espíritos alegres e coloca-los em boa disposição, o poder da imaginação sobre o corpo ou sobre o corpo de outrem, acelerar o tempo no que diz respeito às maturações e clarificações, acelerar a putrefação, cozimento e germinação, fabricar adubos ricos para a terra, transformar substâncias ácidas e aquosas em substâncias gordurosas e untuosas, produzir novos alimentos a partir de substâncias que não são atualmente utilizadas, fabricarem novos fios para vestuário, novos matérias, além de papel, vidro, etc. (BACON, 1979, p. 268-272).

Terras, torres, lagos de água doce e salgada, oceanos, máquinas para multiplicar e intensificar a força dos ventos, poços e fontes artificiais de banho (ele destaca e classifica a água como ­água do paraíso, saudável e soberana para a vida e a saúde). Predições naturais, ilusões de sentidos, maiores prazeres para os sentidos, minerais artificiais e cimentos além de espécies e animais para uso científico e cruzamento de espécies diversas para experimento com insetos, pássaros e mamíferos (...) fábrica de bebidas, pães, manjares raros, vinhos (tudo saudável para os habitantes), ervas medicinais e farmácias. E prossegue; fazemos previsões de doenças, pragas, tempestades, terremotos. Porém, adverte-o, deveis saber que comumente todos os produtos enumerados são usados em todo o reino, mas, os que são de nossa própria invenção são guardados como modelos e amostras. (BACON, 1979, p.273-278)

Bacon concebeu a idéia de uma sociedade de homens unicamente devotados à pesquisa da ciência (verdade). Seus planos englobam todas as partes dos conhecimentos humanos com edifícios consagrados a essas experiências, buscando a maior exatidão, clareza e funcionabilidade do experimento científico. Neste lugar, todos os aparelhos, instrumentos e máquinas que nos permitem aumentar nossas forças ou multiplicar nossos meios de observar, de conhecer ou produzir, reúnem–se para a instrução, tanto do filósofo quanto do artista. O amor da verdade aí congrega os homens que o sacrifício das paixões comuns tornou dignos dela. E as nações esclarecidas, conhecendo tudo o que ela pode para a felicidade da espécie humana, aí fornecem ao gênio os meios de manifestar sua atividade e suas forças. (JAPIASSU, 1995, p.135)

O Imperador da ciência reuniu todos os homens numa mesma atmosfera científica, da qual se preocupam em semear sua razão para cultivá-la com maior irradiação das luzes do esclarecimento, do crescimento e do progresso tecnológico, isto é, ele descreve um oásis da natureza utilitarista, utilizar o melhor da natureza em seu labor, porém de um modo responsável, consciente e interligado com a combinação dos esforços e dos resultados comuns, participativos e cooperativos para obter empreendimentos mais amplos (além de publicá-los para um bem comum). O filósofo estabelece uma linguagem universal, a execução de um monumento colocando as ciências ao abrigo de uma revolução geral do globo. Todos esses objetos seriam reservados a uma associação mais ou menos com o mesmo grau de luzes e liberdade, não encontraria obstáculos e garantiria, entre todas as ciências, entre as artes, entre as nações um equilíbrio de conhecimentos, de indústria e de razão necessária ao progresso e à felicidade da espécie humana. (JAPIASSU, 1995, p.136)

Bacon se revela um escritor literário com olhar lúdico e sonhador nesta obra que enaltece o desenvolvimento científico em um planeta angelical habitado por um povo messiânico. Além do grande Espírito científico que paira sobre a ilha, alia-se também a credulidade, a fé, o respeito, a cooperação e os princípios cristãos como a castidade, obediência, reverência e glorificação. A fantasia baconiano é apresentada em sua pureza sem a tentação de buscar a causa primeira e o remédio ou resposta para todas as coisas (como Aristóteles) ou de possuir ou desvelar mistérios sagrados e divinos (como os escolásticos). Sua revolução industrial nasce de um sonho regido por uma regra ética aonde os experimentos são levados a público, revelados ao Estado (que é generoso, acolhedor e justo) e homenageiam os seus reais inventores (sejam nativos ou estrangeiros).

A Nova Atlântida preconizou uma enciclopédia da natureza, Bacon foi o João Batista que trombeteou a instauração da Boa Nova, isto é, o domínio do homem sobre a natureza, a história da natureza modificada pela mão humana, a filosofia do progresso e a revolução industrial, progressiva e tecnológica libertando o conhecimento das abstrações filosóficas tradicionais da tutela das autoridades régias e eclesiásticas. Porém, não nos deixa desaperceber que seu pensamento tenha sido propositalmente esquecido por dois séculos[5] (nos séculos XVII e XVIII a filosofia empirista e pragmática é substituída pelas filosofias racionalistas e idealistas e Bacon só retorna no positivismo do séc. XIX) e tenha retornado apenas com Augusto Comte (1798-1857) no final do século XVIII e início do XIX em seu Discurso sobre o espírito positivo, que considera Bacon (junto com Galileu e Descartes) fundador da filosofia positiva, esta que rejeita a redução dos fenômenos a um só princípio (Deus, natureza e outro equivalente) e acredita na ciência como investigação do real, do certo e do indubitável, do precisamente determinado e do útil, do ver para prever e no uso efetivo do poder. (COMTE, 1978, p. 90)

Tomamos nota também da concepção de Leonardo Boff em Ecologia grito da Terra, grito dos pobres. “Sobre a filosofia baconiana, Boff afirma que Francis Bacon proferia que devemos ‘‘subjugar a natureza, pressiona-la para nos entregar seus segredos, amarrá-la a nosso serviço e fazê-la nossa escrava”. Com isso se criou o mito do ser humano, herói desbravador. Prometeu indomável, com o faraonismo de suas obras (...) ele não se entende junto com ela (natureza), numa pertença mútua, como membros de um todo maior.(BOFF, 1995, p.24-25)

O homem, como ministro e intérprete da natureza. Talvez a desconhecida visão do teólogo frente às obras e pensamentos de Bacon tenha-lhe passado despercebida à frase acima citada que corresponde ao primeiro aforismo do Novum Organum, ou até mesmo tenha sido errônemante interpretada. No empirismo baconiano o saber possui um meio para o fim, um realismo metodológico e científico para que o ministro da natureza seja um conhecedor, um investigador e acima de tudo um benfeitor, isto é, a epistemologia baconiana é experiência prática do conhecimento, que não busca somente pensar, escrever, poetizar e contemplar o bem, mas fazê-lo a partir de uma cooperação de cientistas, de tecnologia apropriada e responsável e intencionando o progresso desta busca na natureza, como afirma Paolo Rossi (comentador) um utilitarismo da veracidade científica, uma verdade útil.

Para Bacon a sabedoria deste mundo deve nos levar ao perfeito conhecimento das coisas divinas e não o inverso, como os escolásticos que distanciam Deus das escrituras da natureza ou Aristóteles o Anticristo, segundo Bacon. Na Casa de Salomão o empirista preconiza uma sociedade de sacerdotes, cientistas e cristãos, submetendo seus trabalhos aos ensinamentos do evangelho, eis a síntese ideal entre ciência e cristianismo. Para John Dewey Bacon fez o trajeto dos segredos da natureza, o método da abelha que extrai o sulco das flores do campo e em seguida os transforma em mel. (DEWEY, s.d, p.57)

Por fim, a Nova Atlântida representa os mais profundos e ambiciosos objetivos de Bacon, e isto está claro no retrato da obra, isto é, o arauto da ciência moderna finaliza sua vida escrevendo uma literatura que abarca toda a navegação filosófica, teológica e científica de suas propostas para o reino do homem no infinito e agitado oceano da história, esta que caminha junto com o pensamento e se insere no progresso dos grandes homens (como Bacon) e suas grandes idéias que perpassam os séculos e suas projeções, isto é, o pensamento que é sempre inovador quando se refere à vida, a historicidade e a evolução do homem.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfred Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BACON, Francis. Nova Atlântida. Trad. José Aluysio Reis de Andrade. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979 b.

BACON, Francis. Novum Organum. Trad. José Aluysio Reis de Andrade. 2. Ed. São Paulo: Abril cultural, 1979b.

BOFF, Leonardo. Ecologia grito da Terra, grito dos pobres. Ed. Ática S.A. São Paulo-SP, 1995.

COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. Trad. José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. 2. Ed. São Paulo: Abril cultural, 1978b.

Dewey, John - A Filosofia em Reconstrução. São Paulo. Companhia Editora Nacional. s/d

FARIA Ernesto. Dicionário Escolar Latino-Português. 2. ed. Rio de Janeiro: MEC/DNE, 1956·.

JAPIASSU, Hilton. Francis Bacon - O Profeta da Ciência Moderna. São Paulo. Editoras Letras&letras, 1995.


ROSSI, Paolo. Bacon e Galileu: A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da RevoluçãoCientífca.SãoPaulo:UNESP,1992.

ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


[1] Licenciando em Filosofia pela PUCPR

[2] Trabalho inacabado escrito por Francis Bacon, lorde de Verulam, Visconde de St. Alban. William Rawley foi secretário particular de Bacon e editor de suas obras póstumas. A Nova Atlântida foi por ele traduzida para o latim e publicada em 1627, no fim do volume da Sylva Sylvaram, segundo as indicações deixadas.

[3] Seus rituais e celebrações são manifestações solenes e sagradas (com preces, cerimônias e benção) da comunidade. Começam com o cantar de um hino cujo tema é sempre a glorificação de Adão, Noé, Abraão e a natividade de nosso Senhor. Glorificação esta devida, a Adão e Noé terem sido os primeiros a povoarem o mundo e Abraão ser o Pai da fé. Na ilha de Bensalém habitam judeus, muçulmanos e pessoas de diversas nações e etnias, porém todos são cristãos (amam a Cristo).

[4] Para a organização da pesquisa científica quanto aos diversos encargos e ofícios de nossos discípulos, acontece o seguinte: doze navegam para países estrangeiros sob a bandeira de outras nações (já que escondemos a nossa), trazendo-nos livros, súmulas e modelos de experimentos de todas as outras partes do mundo. Nós os chamamos de mercadores da luz.

Temos três que recolhem os experimentos de todas as artes mecânicas, das ciências liberais, e ainda das práticas que não chegaram ainda às artes. A estes chamamos de homens mistério.

Temos três que tentam novos experimentos dos quatro grupos precedentes, organizando-nos em títulos de pioneiros ou mineiros.

Temos três que examinam os experimentos dos quatro grupos precedentes, organizando-nos em títulos e taboas, para levar luz à dedução das observações e axiomas deles extraídos. A esses chamamos compiladores.

Temos três que examinam os experimentos dos seus condiscípulos, procurando uma forma de extrair coisas de utilidade para a vida humana e para a ciência, a esses chamamos de doadores ou benfeitores. Temos três que sintetizam as descobertas anteriores, feitas por experimentos, em observações, axiomas e aforismos de maior generalidade. A esse chamamos de intérpretes da natureza

[5] As controvérsias no pensamento de Bacon na concepção de alguns pensadores no decorrer dos séculos XVII ao XX: (JAPIASSU, 1995, p. 60-70).

· Thomas Hobes trabalhou com pensamento baconiano em 1620, acreditava que a felicidade dos homens passa por uma política e encontramos seus fundamentos na ciência;

· Hegel, Marx e Engels atacaram o idealismo utópico das proposições de Bacon;

· Augusto Comte resgata Bacon quando diz que o poder seja necessariamente proporcional ao conhecimento;

· Séc. XVII e XVII, período racionalista e idealista;

· Na metade do Séc. XVII E XVIII foi considerada uma espécie de teórico ou ideólogo da socialização das ciências como modo de pesquisa;

· Koyré, Bacon foi apenas o arauto da ciência moderna;

· K. Popper, O movimento baconiano é um gigantesco engano (...). Preocupado com discussões sobre a lógica da descoberta científica e pouco atenta a perspectiva histórica, isto faz Bacon desempenhar o papel de bode expiatório;

· Thomas Kuhn. Foi à figura faustiana do mago, interessado em controlar a natureza;

· Roberto Boylé. Bacon constituiu a figura mesma da transição entre o mago paracelso e o filósofo experimental;

· Diderot dedicou-lhe a Enciclopédia e Emanuel Kant dedicaram-lhe a Crítica da Razão Pura. Ambos retomam a idéia de coletividade sábia de Bacon, de uma república científica trabalhando para a felicidade universal, para o bem da humanidade;

· Arthur Schopenhauer. De modo algum concordamos com Bacon de Verulam, quando opina que todos os movimentos físicos e mecânicos dos corpos só se seguem depois de uma percepção prévia nesses corpos;

· John Dewey em A Filosofia da Reconstrução afirma: Devemos a Bacon a concepção progressista da ciência.