quinta-feira, 30 de outubro de 2008

REVOLTA DE CLASSES NA FRANÇA DO SÉCULO XVIII


REVOLTA DE CLASSES NA FRANÇA DO SÉCULO XVIII

Charles Fernando Gomes


I. Resumo:

A presente obra detém à narrativa do operário Contat, que descreva o sedicioso massacre dos gatos, mais especificamente no segundo capítulo, a revolta dos trabalhadores em Paris durante o fim da década de 1730. Contat debruça-se no contexto histórico de uma França em pleno século XVIII, século de sua revolução, período este bastante conflituoso. Predominavam as rivalidades entre assalariados e mestres, ou melhor, proletários e burgueses, na qual resultavam grandes manifestações e rebeliões, estas silenciosas ou explícitas entre classes sociais. Um período vulcânico que Contat nos apresenta na sua estória particular em linhas, e a história Européia nas entrelinhas, notas e parênteses de sua obra.

Palavras-chaves: Europa – França – classes – revolução – massacre – gatos.

II.Abstract:

This book has the narrative of the Contact worker, describing the massacre of seditious cats, especially in the second chapter, the workers' revolt in Paris during the end of the decade to 1730. Contact looks at the historical context of a France in the eighteenth century, a century of his revolution, this time very confrontational. Predominated the rivalry between employees and teachers, or better, proletarian and bourgeois, which resulted in large demonstrations and rebellions, these silent or explicit between social classes. A period that volcanic Contact us presents in its story lines in particular, and European history between the lines, notes and brackets of his work.

Keywords: Europe - France - classes - revolution - massacre - cats.

1. Introdução.

Não pode haver dúvida sobre a autenticidade da autobiografia quase ficcionalizada de Contat, como Giles Barber demonstrou, em sua magistral edição do texto. Pertence a linhagem de escritos autobiográficos de tipógrafos, que se estende de Thomas Platter a Thomas Gent, Benjamin Franklin, Nicolas Restif de la Brettonne e Charles Manby Smith. Como os tipógrafos, ou pelo menos, os que compunham o texto, tinham de ser razoavelmente instruídos, para executar seu trabalho, eles estavam entre os poucos artesãos que podiam fazer seus próprios relatos sobre a vida das classes trabalhadoras há dois, três ou quatro séculos. Com todos seus erros de ortografia e falhas gramaticais, o relato de Contat é, talvez, o mais rico de todos. Mas não pode ser encarado como reflexo exato do que realmente aconteceu. Deve ser lido como versão que Contat dá de um acontecimento, como sua tentativa de contar uma história. Como todas as narrativas, esta coloca a ação numa estrutura referencial; supõe certo repertório de associações e respostas, da parte de sua audiência, e proporciona uma forma significativa à matéria-prima da experiência (DARNTON, 1986, p. 107) .


2. Realidade social das classes e a história do grande massacre dos gatos.

Ao autor inicia o segundo capítulo, narrando episódios verídicos do cotidiano oprimido dos aprendizes, isto é, a extrema injustiça, a qual nomeia de assunto dos gatos, tomando lugar especial em sua estória, semelhantemente, como ocupava nas casas da Rua Saint Séverin. E assim descreve: Dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e os maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer a não ser sobras (...). Pior ainda, o cozinheiro vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato - velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar, e então, passavam para os gatos, que os recusavam (DARNTON, 1986, p.103-104).
Inicialmente Contat refere-se a um casal burguês, este que possuía vinte e cinco gatos. Os gatos costumavam vagar durante a noite nos telhados das casas dos operários, ou seja, no período de descanso daqueles que laboriosamente trabalhavam para o burguês desde antes de o dia amanhecer. Os bichanos uivavam e miavam de forma terrível (como descreve Contat), a ponto de acordar não só os operários mais também o casal burguês (porém, estes podiam dormir até mais tarde). Por fim, o casal manda os aprendizes se livrarem dos gatos, o que deu início a um festival de horror e violência, um genocídio dos felinos que não escandalizava nem um pouco seus algozes, que ao contrário, divertiam-se e caíam na gargalhada.

2.1 Visão antropológica da Europa pré-industrial .

Contat apresenta a seguinte questão: Onde está o humor, num grupo de homens adultos balindo como bodes e batendo seus instrumentos de trabalho, enquanto um adolescente reencena a matança ritual de um animal indefeso? Nossa incapacidade de entender tal gesto grosseiro e impiedoso dos operários da Europa pré-industrial é o indício de nossa distancia, segundo o autor, da partida de uma investigação, porque os antropólogos descobriram que as melhores vias de acesso, numa tentativa para penetrar numa cultura estranha, podem, ser aquelas em que ela parecer mais opaca. Quando se percebe que não se entende alguma coisa, uma piada, um provérbio, uma cerimônia particularmente significativa para os nativos, existe a possibilidade de se descobrir onde captar um sistema estranho de significação, a fim de decifrá-lo. Entender a piada do grande massacre dos gatos pode possibilitar o entendimento de um ingrediente fundamental da cultura artesanal, nos tempos do Antigo Regime (cf. DARNTON, 1986, p.106-107).
A primeira explicação para o fenômeno do grande massacre dos gatos, segundo o autor, esta nesta visão antropológica acima citada, ou mais claramente, no episódio (do massacre) como um ataque indireto aos seus patrões burgueses e ao sistema que regia na época pré-industrial. A violação das necessidades fundamentais da vida como: trabalho, comida e sono por parte do sistema que injustamente trabalha contra eles. Isto se transformou em revolta, levando os operários a promoverem uma verdadeira barbárie com os animais, para expressar tamanha insatisfação com a realidade que os assolava.

2.2 Compreendendo o contexto histórico da Europa no século XVIII.

Antes do episódio, Contat resgata o período ilídico, antes do início da industrialização, período este que alguns descrevem como uma espécie de família ampliada, na qual, o patrão e os empregados viviam harmoniosamente. Comiam a mesma comida, faziam à mesma tarefa e algumas vezes, dormiam debaixo do mesmo teto, mas, será que alguma coisa aconteceu para envenenar a atmosfera das gráficas de Paris, por volta de 1740?(cf. DARNTON, 1986, p.108).
Tomemos nota que durante a metade do século XVIII, o governo apoiava às indústrias, neste movimento governo/indústria, as pequenas oligarquias de mestres eram pressionadas para produzir segundo estimativas e estatísticas de produto e capital rendosos para o Estado, o que de outro lado sobrecarregava os oficiais assalariados, porque, a necessidade de sua mão-de-obra aumentava. Assim tornando-os uma lucrosa ferramenta para o sistema, fonte de recurso comum, pois, poderiam aumentar o investimento em maquinários, exportações, importações e negócios políticos, já que, o gasto menor, o assalariado, era evidentemente menos custoso e mais rendoso, além de ser produto descartável e substituível, menos arriscado em assuntos capitais. Possibilitando investimento significativo para o maquinário nas fábricas e possíveis reposições, aumento de capital para manter o andar em passos largos do sistema industrial do Estado.
Neste movimento pré-capitalista, os empregados não atingiam a condição de mestres. Os mestres distanciavam-se dos assalariados, rumo a um mundo separado, isto é, aonde sua cultura, alimentação, linguagem e relações sociais eram bem diferentes ocasionando a cisão das classes. Mas porque gatos? E porque a matança de gatos? Essas perguntas nos levam para além das considerações referentes às relações de trabalho no início dos Tempos Modernos, conduzindo-nos ao obscuro tema dos rituais e do simbolismo popular. (cf. DARNTON, 1986, p.113).

2.3 Simbolismo popular, folclore, carnaval e devoções nos Tempos Modernos.

Os folcloristas familiarizaram os historiadores com os rituais que marcavam o calendário do homem do início dos Tempos Modernos. O carnaval era período de crítica, para os grupos de jovens, particularmente os aprendizes, que com músicas grosseiras e fantasias, tinham o objetivo de denunciar a promiscuidade e a infidelidade de mulheres com seus esposos, isto é, faziam piadas como manifesto para qualquer personificação de infração contra a moral e os bons costumes tradicionais da época. Temporada de hilaridade, da sexualidade e dos jovens se esbaldarem (...). Um período em que a juventude testava fronteiras sociais, através de irrupções limitadas de desordem, antes de ser outra vez assimilada pelo universo de ordem, submissão e seriedade da quaresma (cf. DARNTON, 1986, p.113).
Manifestos estes que habitavam também na devoção religiosa popular. No século XVIII, os mestres haviam excluído os assalariados da confraria devota a São João Evangelista e São Martinho , mas, o que não impedia dos trabalhadores de realizar suas cerimônias nas capelas. De um lado o burguês fanático supersticioso e do outro os operários posicionavam sua república contra este mundo burguês, isto é, o ethos burguês versus o ethos assalariado.


3. Os gatos e seu simbolismo/significado na Europa dos Tempos Modernos .

E os gatos? A tortura de animais, especialmente os gatos, era um divertimento popular em toda a Europa, no início dos Tempos Modernos. Basta examinar as Etapas da crueldade, de Hogarth, para verificar sua importância e, quando se começa a procurar, encontram-se pessoas torturando animais em toda parte. As matanças de gatos tornaram-se um tema comum na literatura, desde Dom Quixote, no início do século XVII, na Espanha, ao Germinal, no fim do século XIX, na França. Longe de ser uma fantasia sádica da parte de alguns loucos, as versões literárias da crueldade para com animais expressavam uma corrente profunda da cultura popular, como mostrou Mikhail Bakhtin, em seu estudo de Rabelais (cf. DARNTON, 1986, p.122-123).
Mais qual o significado que aquela cultura atribuía aos gatos? Os gatos nos Tempos Modernos Europeu representavam certa concepção mítica, contos populares (como o gato de botas), ritos, cerimônias, sexualidade e até superstições, como podemos observamos no século XV, pois, ter gatos como bichos de estimação, era recomendado para se ter sucesso com as mulheres, se expressa isto no provérbio sapiencial quem cuida bem dos gatos, terá uma mulher bonita, ou no folclore francês que atribuiu importância especial a eles, como metáforas ou metonímias sexual, devido a sugerirem fertilidade à sexualidade feminina.
Nas festas pagãs, como o carnaval, diferente das concepções acima relacionadas, os gatos eram sinal de violência e sempre terminavam massacrados, martirizados e manipulados para zombaria relacionando-os a sociedade e suas mazelas. Os gatos simbolizavam a revolta das classes no final do século XIX, início do proletariado. Os massacres resgatavam o retrato fidedigno dos protestos classicistas contra a burguesia que os escravizava, alienava e massacrava.
Devemos assinalar que todos os operários estão unidos contra os patrões. Basta falar mal deles (os patrões) para ser estimado por toda assembléia de tipógrafos. Esta era a linguagem e o espírito que compunha a relação e a união da classe operária, em outras palavras, independente do que for ou do que tenha ocorrido, seriam todos contra os patrões e todo sistema industrial.

4. Considerações Finais.

A obra descreve de forma bem cabal o mundo da vida dos proletários, os Tempos Modernos como o símbolo maior do massacre humano, cheio de linguagens, signos e referências de um profundo sentimento de exclusão e marginalização que se transformara em protesto. A modernidade como um projeto inacabado se insere neste contexto que sai do religioso para o profano, da razão para o irracional, do sapiens para o demens, a demência do homem.
O filósofo contemporâneo, Jurgen Habermas (1929 - ) , na obra o discurso filosófico da modernidade, vem ancorar este tema e desmembrá-lo para uma genealogia da modernização e escreve: o conceito de modernização refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas (HABERMAS, 2002, p. 5-6).
Isto se faz claro, não será o sistema capitalista que em sua engrenagem engendrada fará a rotação que substituirá do centro do sistema terrestre, que hoje habita o capital para colocar no lugar a vida humana. A modernidade se desvincula do contexto histórico de uma forma parcial e neutra, fazendo assim um salto triunfante para o abismo aonde a racionalização e o técnico cientificismo se tornam mitos e o homem mero coadjuvante.
A razão deu lugar ao capital, isto significa que a racionalidade que antes justificava o homem moderno para sua conduta moral, fora desabada pela ganância que o capital alimenta e faz necessária para a sobrevivência da humanidade. Partimos assim do divino para o racional nos séculos XV e XVI, do racional para o capital dos séculos XVII e XVIII e nos últimos tempos, isto é do século XIX ao XXI do capital simbólico para a tecno – ciência neutra, progressista e diabólica da pós - modernidade.
Por fim, nos perguntamos: Quando a humanidade será a pauta principal de nossas discussões? Se o que tem por vir seja bom ou ruim, será realizado pela influência do homem, então, porque não pensemos na humanidade como um projeto para o presente e para o futuro? Tais perguntas nos convidam a uma profunda reflexão da existência e um cuidado para com o nosso modo de viver o mundo da vida , pois, da forma que a evolução caminha, futuramente escreveremos uma obra chamada o grande massacre, aonde os gatos serão substituídos pelos homens, e terá como autor e personagem principal dessa história, o próprio homem, isto é, o homo sapiens sapiens.





5. Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfred Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

¬¬¬¬¬________________. Os trabalhadores se revoltam. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Português-Inglês. 2. ed. Rio de Janeiro: MEC/DNE, 1956.

HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Site: http://pt.wikipedia.org/wiki, acesso realizado no dia 24 de outubro de 2008, às 20 horas.













Um comentário:

Chrys disse...

Na verdade eu gostaria de saber a sua opinião!!

1-quais são as considerações feitas por Darton ssobre a narrativa de Contat ?
2-como o autor articula a narrativa e as questões presentesnela com outras fontes entre a SNT e com a sociedade Francesa do periodo ?
3-segundo o autor,que significado os gatos possuem no interior da cultura Francesa Pré- Industrial?
4-como darton explicou a piada, o massacre dos gatos e as as aponta ao patrão e a esposa?
Desde já Agradeço a sua Atenção !!!

by Chrystina