segunda-feira, 11 de maio de 2009

Unir nossos braços.


Esta na hora de unirmos as nossas forças. Unir nossos corações. Unir nossos braços. Para realizar um abraço. Que seja uma grande celebração, sem pensar em raça, idioma, etnia, religião, isto é, sem pensar em obstáculos. Ta na hora de fazer pontes que nos levem ao coração. A solidariedade nasce e nosso planeta Terra, nossa casa Mãe agradece. Abrace alguém hoje e permita receber um abraço, sinta-se abraço e amado por Deus que se faz no outro, no próximo que às vezes está bem próximo de nós.

Um bom abraço! Seja uma celebração aonde quer que você vá!

Uma mensagem em homenagem ao amigo frei Renã

ARISTÓFANES


ARISTÓFANES. As nuvens, in Sócrates। Trad. Gilda Maria Reale Starzynsk. 1edição São Paulo. Nova Cultural, 1987 (Os Pensadores)


[1]Charles Fernando Gomes


A obra supracitada é configurada e narrada no contexto de uma comédia representada em 423 a.C. Nesta peça, Aristófanes deposita seu gênio cômico a serviço de uma corrente de pensamento muito poderosa na Atenas do século V. A obra esta pautada principalmente na crítica à educação nova, isto é, a dos sofistas, que no período citado eram acusados de demolir os valores morais, éticos e religiosos tradicionais, além de vender caro os discursos e argumentações, que eram capazes de conduzir a vitória de qualquer causa, fosse esta justa ou injusta.

O autor desencadeia no decorrer da comédia, uma aguçada sátira contra a figura de Sócrates, este que seus contemporâneos não conseguiam distinguir com clareza e nitidez dos sofistas. Sócrates é totalmente ridicularizado por Aristófanes nesta obra, é mostrado ao descer das nuvens num cesto, pois ali havia subido “para bem penetrar as coisas celestes”. Aristófanes conclama, em termos mal velados ao incêndio da “oficina do pensamento” de Sócrates. Um quarto de século separa a representação de “As nuvens” do “Processo de Sócrates”. Nada impede, porém, de pensar que Aristófanes talvez tenha contribuído para insurgir a opinião ateniense contra a pessoa do filósofo, confundindo-o deliberadamente com os sofistas. Em todo caso, é isso que Platão afirma em sua “Apologia a Sócrates”.

Aristófanes é o filósofo da “seriedade do riso”, sua comédia é composta por três elementos: razões políticas, razões sociais e o desencanto. Suas comédias caracterizam-se fundamentalmente de um contexto de guerra, paz, política, moral, educação e literatura, pois, estes são seus temas prediletos. O autor da obra “As Nuvens”, é um conservador com graça, o que podemos observar nesta obra em que ele toma a tese central (raciocínio justo/injusto) que trabalhava a nova pedagogia da época. A comédia “As nuvens” é essencialmente dirigida aos sofistas, aqui representados por Sócrates (raciocínio injusto), não tanto porque ele fosse o protótipo mais lídimo da sofística, mas, porque era de fato o filósofo mais conhecido e que aparecia com maior freqüência nas praças públicas. Aristófanes insurgia-se contra as suas propostas éticas e pedagógicas e pretende com bastante vigor provar as funestas conseqüências da nova pedagogia ensinada e aplicada por Sócrates. Sócrates é o grande influenciador dos jovens, estes que o seguem, o obedecem e possuem grande estima pelo seu saber, de fato, a imagem que se sustenta do filósofo é a de mestre, mestre do conhecer, conhecer que se inicia pelo próprio possuidor do conhecimento e se utiliza nos objetos interessados desse saber.

A arena que Sócrates duela é a linguagem e sua arma é a retórica, sendo assim ele se torna praticamente invencível quando a luta possui como ferramentas a argumentação e a persuasão, pois estas lhe são fiéis aliadas na hora de desmontar, ou melhor derrubar o adversário. Seus competidores por excelência são os sofistas, as “prostitutas do saber”, estes que a vendem por um alto preço. O feitiço vira contra o feiticeiro, ou melhor, o tiro saiu pela culatra. “As nuvens” retrata fidedignamente a epopéia do homem que deseja resolver seus problemas de forma falaciosa e desonesta. Estrepsíades deseja se libertar de suas dívidas e especialmente de seus credores pelo jeito mais fácil, pela porta larga, isto é, pela utilização de uma “razão injusta”, esta que lhe permitirá safar-se de todos os infortúnios de forma elegante e inteligente. As manobras que se pode fazer com uso impecável da linguagem e os apuros que por ela se pode livrar, o seduz de tal forma que ele apressadamente buscará a oficina de Sócrates e seus discípulos para aprender a arte de falar e ganhar fama pela excelência de seu uso.

Porém, o insucesso de Estrepsíades como discípulo, fora desanimador para o mestre Sócrates, que diante de tamanho fracasso que desempenhara seu iniciado decide dispensá-lo imediatamente, o que fará entrar em cena Fidípides (seu filho). Aluno de grande empenho e de destaque se torna um orgulho para seu pai, pois, Estrepsíades já começa a visualizar a derrota de seus credores diante da astúcia argumentativa e retórica que agora seu filho é possuidor. Fidípides já iniciado nas artimanhas da linguagem começa a resolver os problemas, mas não os do pai (para seu desgosto) e sim os seus em relação aos abusos e correções que sofrera de Estrepsíades quando criança. Fidípides aplica correções físicas em seu pai, relembrando as diversas advertências que seu pai fizera nele e utilizando-se da razão injusta, argumenta o porquê de seus atos com um linguajar irrefutável. Se antes o problema de Estrepsíades era os credores e as dívidas que possuía, agora o problema habitava dentro de sua casa, e como castigo era seu próprio filho, aquele a quem ele próprio investira, matriculando-o na oficina de Sócrates para combater seus infortúnios.

Enquanto Estrepsíades representava a velha guarda, que apóia-se na tradição, Fidípidis argumenta a partir da relatividade das leis e dos usos, estabelecidos convencionalmente, e apela para as leis naturais, de acordo com os ensinamentos dos sofistas, ele apela em última instância para a autoridade do mestre. É interessante esta observação, pois, a dor do pai se torna imensa quando observa que seu egoísmo só lhe corroera a alma, e se ele representava a velha guarda, o guardião das virtudes religiosas agora se deixara corromper pela luxúria e como recompensa perdera seu filho e seu juízo, como ele diz: “Ai, que falta de juízo! Como estava louco quando quis jogar fora os deuses por causa de Sócrates!” e prossegue “(...) mas, meu caro Hermes, não fiques com raiva de mim, não acabe comigo tenha compaixão, porque enlouqueci com fanfarronices!”. E no final da narrativa, num estado de iracunda profunda ele contrata alguns homens para atear fogo na oficina de Sócrates, que junto com seus discípulos fogem, pois, a oficina estava em chamas e nestas circunstâncias eles correm da perseguição que Estrepsíades investe contra eles, com o objetivo de espancá-los.

Mas, o que esta narrativa de Aristófanes possui de atual para estabelecer-mos um diálogo com nossa pedagogia contemporânea? De início, a relação Sócrates, Estrepsíades e Fidípidis que é central em “As Nuvens”, possui um caráter bem pedagógico se fizermos uma leitura atenta da obra. A psicologia que Aristófanes introduz na obra vem de encontro com a psicologia que muitos curadores e tutores utilizam com seus tutelados, ou até mesmo uma análise mais próxima que podemos fazer, se encontra nas instituições educacionais e formadoras, sejam elas provenientes da política, economia, educação, médica ou religiosa. Em todas podemos encontrar a figura horrenda de Estrepsíades, isto é, do homem que com o objetivo de se safar de seus problemas e receber prestígio massacrando a tudo e a todos pelo caminho da razão injusta utiliza-se de meios maléficos, como corromper o próprio filho para depois utilizá-lo em benefício próprio. Porém, nem sempre o fim desses aproveitadores é o castigo de beber do próprio veneno ou receber em dobro aquilo que ele buscou, almejou fazer de mal para o outro.

Hoje mais do que nunca a pedagogia moderna, a ciência capitalista, neo-liberalista e em especial o relativismo aliado ou secularismo coloca em cheque muitas de nossas tradições, ensinamentos, morais, éticas e compreensões de mundo. Uma leitura que Aristófanes fazia naquele período era o questionamento da educação domestica que se prestava aos jovens, o que hoje não deixa de ser uma leitura bem enriquecedora do ponto de vista humano, social e político. O Estado para os gregos era uma substancia geradora e organizadora, como o próprio Aristóteles afirmava. O estado como a cabeça das cidades que são seus membros, ele que exercia forte influencia na vida do cidadão ateniense, que fazia parte de sua vida e era de total interesse da sua família.

Contextualizando a obra, o que se apresenta de pano de fundo é uma grande crítica aos sofistas (nesta obra Sócrates é inserido como sofista), pois, sua posição na polis grega é perturbadora para os cidadãos. Não só por sua influência na vida dos jovens, mas principalmente na arte de corromper os jovens e conduzi-los a se rebelarem contra o sistema do Estado. Quando o logos passa de verbo, de palavra criadora para instrumento de retórica e persuasão, o grego observa a depravação e o desvirtuamento que o seu sagrado (o logos) começa a se tornar pelo mau uso, pelo uso interesseiro e ganancioso dos mestres da sabedoria, os iniciadores da arte do falar que se torna a arte de ter razão, de enganar e levar vantagem pelas vias do bom discurso.

Por fim, controvérsias a parte sobre a figura de Sócrates, se foi um filósofo ou um verdadeiro sofista, ele representa nesta obra a imagem do professor de nossos tempos, o responsável pela formação e instrução do aluno, do aprendiz. Sócrates é a caracterização do mestre que apenas proporciona o método para seus discípulos, porém deixa de lado os valores subjacentes concernentes que a prática deve possuir para tornar o método mais eficaz. Fidípides é o denominador comum, o resultado que aos nossos olhos é de grande valia, pois aprendeu corretamente e utilizou o que aprendeu com maestria, porém, e os valores éticos e morais, ele utilizou? Bem, ele não utilizou, pois a forma de utilizar não foi ensinada com a mesma maestria que a teoria. Coincidências a parte com nossos iniciados atuais, nossos aspirantes a políticos, generais, doutores e líderes religiosos que muito compreendem da teoria, mas na hora da aplicação deixam muito a desejar e diferentemente de Fidípides que bateu no seu pai (Estrepsíades), com o intuito de corrigi-lo por seu mau procedimento e mau caráter hoje quase que normalmente quem apanha pela má fé dos educadores são aqueles inocentes que nos observamos flagelados, excluídos e marginalizados na sociedade e não como a comédia de Aristófanes narra.


[1] Graduando em Filosofia pela PUCPR

VERNANT


VERNANT, Jean-Pierre. Origens do pensamento grego. São Paulo: DIFEL, 1972.

Charles Fernando Gomes[1]

O universo que marca o nascimento da razão grega é datado da passagem que se caracteriza do mito ao logos ou da cosmogonia para a cosmologia. Este novo caminho que os gregos trilham é o resultado do desabamento do poder micênico, do sistema de governo que era centrado na “civilização palaciana”, isto é, o rei como o soberano que possuía plenos poderes, estes que se estendiam no plano religioso, político, administrativo, econômico e comercial.

Mas, se queremos dar seguimento ao registro dessa razão grega, seguir a via por onde ela pode livrar-se de uma mentalidade religiosa, indicar o que ela deve ao mito e como o ultrapassou, devemos comparar e confrontar como o background micênico, essa viragem do século VIII ao século VII em que a Grécia toma um novo rumo e explica as vias que lhe são próprias: época de mutação decisiva, que, no momento mesmo em que triunfa o estilo orientalizante, lança os fundamentos do regime da Pólis e assegura por essa laicização do pensamento político a advento da filosofia (VERNANT, 1986, p. 06-07).

Quando os gregos redescobrem a escrita, pelo fim do século IX, tomando-a esta vez dos fenícios, não será somente uma escrita de um tipo fonético, mas sim um produto de uma civilização radicalmente distinta: não, mais a especialidade de uma classe de escribas, mas o elemento de uma classe comum. Seu significado social e psicológico ter-se-á também transformado, poder-se-ia dizer invertido: a escrita não terá mais por objeto constituir para uso do rei arquivos no recesso de um palácio; terá correlação doravante com a função de publicidade; vai permitir divulgar, colocar igualmente sob o olhar de todos, os diversos aspectos da vida social e política (VERNANT, 1986, p.25).

O centro da vida social grega agora é estabelecido pela instituição do logos, da palavra, da linguagem e da escrita propriamente dita nas relações sociais. Com a crise do poder soberano, a escrita passa de uma linguagem do rei para uma linguagem pública, isto é, aspectos da vida social e política serão discutidos por todos os partícipes da polis que estão engajados na plenária pública e elaboração organizacional do sistema da cidade.

A separação de deuses e homens, a descontinuidade do “mundo micênico” para o “mundo homérico” e a oratória como um símbolo de disputa política são elementos bem significativos para a compreensão da nova concepção de mundo que se estabelece na Grécia. Desaparecido Ánax que, pela virtude de um poder mais que humano, unificava e ordenava os diversos elementos do reino, novos problemas surgem: como a ordem pode nascer do conflito entre grupos rivais, do choque das prerrogativas e das funções? Como uma vida comum pode apoiar-se em elementos discordantes? Ou para retomar a própria fórmula dos Órficos como no plano social, o uno pode sair do múltiplo e o múltiplo do uno? Poder de conflito poder de união (Eris-Philia): essas duas entidades divinas, opostas e complementares, marcam como que os dois pólos da vida social no mundo aristocrático que sucede às antigas realezas. A exaltação dos valores de luta, de concorrência de rivalidade associa-se ao sentimento de dependência para com uma só e mesma comunidade, para com uma exigência de unidade e de unificações sociais. O mito que antes sugeria de uma narrativa de conflito entre homens e deuses dão lugar ao corpo social que é composto de elementos heterogêneos, de partes ou separado, de classes de funções que se excluem umas às outras, mas cuja mistura e fusão devem, entretanto realizar-se (cf.VERNANT, 1986, p.30-31).

O Estado se despoja de um caráter privado e aparece na questão de todos os cidadãos da polis grega. A vida social é um dos traços que marca a mentalidade da aristocracia guerreira da Grécia antiga e que contribui para dar à noção do poder em um conteúdo novo. A cidade esta agora centralizada na Ágora, espaço comum, sede da Hestia Koiné, espaço público em que são debatidos os problemas de interesse geral. É a própria cidade que se cerca de muralhas, protegendo e delimitando em sua totalidade o grupo humano que a constitui. No local em que se elevava a cidade real, residência privada, privilegiada, ela edifica templos que abre a um culto público. Nas ruínas do palácio, nessa Acrópole que ela consagra doravante a seus deuses, é ainda a si mesma que a comunidade projeta sobre o plano do sagrado, assim se realiza, no plano profano, no espaço da Ágora. Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental, descobre um novo horizonte espiritual. Desde que centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis (cf.VERNANT, 1986, p.32-33).

Tendo a escrita como base e centralidade da Paidéia grega, Aristóteles abre suas pesquisas na técnica da linguagem, com o intuito de combater os sofistas, as “prostitutas do saber”. A arte política como um exercício da linguagem, esta é a melhor definição do contexto grego que estamos debruçados, pois, se o combate antes era mítico agora é argumentativo, retórico e o campo desse duelo é a linguagem, esta que será palco de acusações homéricas pelo mau uso do logos feito pelos sofistas. O triângulo que configura o universo espiritual da polis é: a polis, a vida social e a palavra (persuasão) que possui destaque entre as demais sendo ela possuidora de poder para conquistar interesses pessoais e coletivos. Daí a busca do sábio, naquele que se conservam práticas divinatórias e exercícios espirituais. A cidade se dirige ao sábio, quando se sente entregue à desordem e à impureza, se lhe pede a solução de seus males, é precisamente porque ele aparece como um ser a parte, excepcional, um homem divino que todo seu gênero de vida isola e coloca à margem da comunidade. Reciprocamente quando o sábio se dirige a cidade, pela palavra ou por escrito, é sempre para transmitir-lhe uma verdade que vem do alto e que, mesmo divulgada não deixa de pertencer a outro mundo, estranha a vida ordinária (VERNANT, 1986, p.40).

Aristóteles afirma que “dirigiam seus olhares para a organização da Pólis, inventaram as leis e todos os seus vínculos, que reúnem as partes de uma cidade, e essa invenção, nomearam-na Sabedoria, é desta sabedoria (anterior a sabedoria física, a physiké theoria, e à Sabedoria suprema que tem por objeto as realidades divinas) que foram providos os Sete Sábios, que precisamente inventaram as virtudes próprias do cidadão”. Entretanto, o papel político e social atribuído aos sábios, as máximas que são consideradas de sua autoria, permitem aproximar, uns dos outros, personagens que, quanto ao resto, em tudo se opõem: um Tales, unindo a tantas outras competências a do homem do Estado, um Sólon, poeta elegíaco, árbitro das lutas políticas atenienses, recusando a tirania, um Periandro, tirano Corinto, um Epimênides, o próprio tipo do mago inspirado, do theios aner, que se alimentava de malva e de asfódelo, e cuja alma se liberta do corpo, à vontade. Através de uma mistura de dados puramente lendários, de alusões históricas, de sentenças políticas e de chavões morais, a tradição mais ou menos mítica dos sete sábios faz-nos atingir e compreender um momento de história social. Momento de crise, que começa no fim do século VII e se desenvolve no VI, período de confusões e de conflitos internos de que distinguimos algumas das condições econômicas; período que os gregos viveram, num plano religioso e moral, como uma discussão de todo seu sistema de valores, um golpe contra a própria ordem do mundo, um estado de erro e impureza (VERNANT, 1986, p.49).

Dentro da organização do cosmos humano, a virtude é encarada como um esforço penoso, ascético diferentemente da riqueza que simbolizará da hybris, o orgulho e a maldade que desvirtua o homem. A busca que deve orientar o grego é a busca da justa-medida, do ethos da justiça que harmonizará a polis e distanciará a sedição do Estado que é causado pela hibris. Mas, quem será esse homem justo? Será o sábio, aquele que confia no tempo e dele aprende a sophrosyne, o sábio como aquele que é portador do domínio-de-si, do bom senso. A sophrosyne aparece como um caráter essencialmente social, um comportamento marcado pelo comedimento dos sentidos e do pathos. Este como o salvador da cidade e conhecedor nato do cuidado-de-si que nasce aliado do cuidado-com-os-outros, instaurador da ordem no mundo da cidade.

Os gregos acrescentam assim uma nova dimensão à história do pensamento humano. Para resolver as dificuldades teóricas, as aporias que o próprio progresso de seus processos fazia surgir, a filosofia teve de forjar para si uma linguagem, elaborar seus conceitos, edificar uma lógica, construir sua própria racionalidade. Para o pensamento grego, se o mundo social deve estar sujeito ao número e à medida, a natureza representa de preferência o domínio do “aproximadamente” ao qual não se aplicam nem cálculo exato nem raciocínio rigoroso. A razão grega é a de que maneira positiva, refletida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limites como em suas inovações, é filha da cidade (cf.VERNANT, 1986, p.94-95).

Por fim, podemos compreender que da racionalidade grega, o sábio constitui o arquétipo (o modelo) do cidadão grego. Apesar da passagem da cosmogonia para a cosmologia, o logos se torna um mito para o cidadão, pois, quem for seu possuidor obterá a pedra filosofal, o sagrado que é verbo, a palavra, a razão. A explicação da gênese do mundo, o agir sobre os homens, a preocupação política e a razão são questões de ordem geradora e causadora do mundo, constitutivas do “milagre grego” e que perpassará ao longo a história da filosofia ocidental.


[1] Graduando em Filosofia pela PUCPR.

NIETZSCHE


NIETZSCHE. A filosofia na época trágica dos gregos. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)

Charles Fernando Gomes[1]

Como afirmar que de fato a filosofia nasceu com os gregos? Nietzsche coloca em cheque esta afirmativa e desbrava o caminho da busca de uma autenticidade da gênese filosófica. O espetáculo começou e todos estão convidados a retirar a cortina do palco para assistir a peça, Nietzsche afirma que era sem dúvida um espetáculo curioso, quando colocavam lado a lado os pretensos mestres do oriente e os possíveis alunos da Grécia e exibiam agora Zoroastro ao lado de Heráclito, os hindus ao lado dos eleatas, os egípcios ao lado de Empédocles, ou até mesmo Anaxágoras entre os judeus e Pitágoras entre os chineses. No particular, pouca coisa ficou resolvida; mas já a idéia geral, nós a aceitaríamos de bom grado, contanto que não nos viessem com a conclusão de que a filosofia, com isso, germinou na Grécia apenas como importada e não de um solo natural doméstico, e até mesmo que ela, como algo alheio, antes arruinou do que beneficiou os gregos. Nada é mais tolo do que atribuir aos gregos uma cultura autóctone: pelo contrário, eles sorveram toda a cultura viva de outros povos e, se foram tão longe, é precisamente porque sabiam retomar a lança onde um outro povo a abandonou para lançá-la mais longe (NIETZSCHE, 1974, p.39).

“O caminho em direção aos inícios leva por toda parte à barbárie”, Nietzsche afirma que todo aquele que se dedica aos gregos deve ter sempre presente que o impulso de saber, sem freios, é em si mesmo, em todos os tempos “tão bárbaro quanto o ódio ao saber, e que os gregos, por consideração à vida, por uma ideal necessidade de vida, refrearam seu impulso de saber, em si insaciável porque aquilo que eles aprendiam queriam logo viver”. Os gregos filosofaram também como homens civilizados e com os alvos da civilização e, por isso, pouparam-se de inventar mais uma vez, por alguma presunção autóctone, os elementos da filosofia e da ciência, mas partiram logo para cumprir, aumentar, elevar e purificar esses elementos adquiridos, de tal modo que somente agora, em um sentido superior e em esfera mais pura, tornaram-se inventores. Ou seja, inventaram a cabeça filosófica típica, e a posteridade inteira nada mais inventou de essencial a acrescentar (cf.NIETZSCHE, 1974, p.39-40).

O ocidente, em virtude do “milagre grego”, se reveste como único possuidor de um conhecimento milenar que chineses, árabes, judeus e outros povos mais antigos deixaram por herança para a humanidade e não somente para parte dela (ou seja, os gregos). O “gênio do povo grego” foi unir suas interrogações sobre a natureza à sua maneira de abordar a vida, mas origem do “espírito filosófico”, segundo Nietzsche, descobre-se nos pré-socráticos e nos trágicos gregos, pois, “tudo o que aprendiam queriam viver logo”. Comentando os textos de Tales, Heráclito ou Anaximandro, o filósofo considera que todos exprimem a realidade do mundo, sua atividade intensa, seu eterno devir. Ao contrário, Platão constitui o primeiro grande híbrido, pois, reúne e sistematiza os pensamentos de seus predecessores, com ele começa a decadência filosófica, segundo o filólogo.

O autor da obra comunga com Aristóteles quando diz que “aquilo que Tales e Anaxágoras sabem será chamado de insólito, assombroso, difícil, divino, mas inútil, pois não se importavam com os bens humanos”, isto é, a predileção do filósofo antigo em dedicar ao improfícuo, marca o limite que distancia da prudência (cf. NIETZSCHE, 1974, p.41). Escrita em 1873, a obra supracitada desenvolve explicitamente os temas abordados em Nascimento da tragédia (1872). No entanto o pensamento de Nietzsche apresenta uma evolução, especialmente em relação à figura de Sócrates. Sócrates que pelo filósofo era considerado o típico herói, agora não passa de um “plebeu inculto” o que também se observa em suas obras posteriores (Crepúsculo dos ídolos), em que Nietzsche o estigmatizará como o primeiro decadente da história da filosofia.

Para Nietzsche, Tales é um mestre criador que sem uma “fabulação fantástica”, começou a ver a natureza em suas profundezas, Anaximandro se refugiava em uma “cidadela metafísica”, Heráclito não se empenhava em conhecer o homem por achar a preocupação com o devir mais importante e em Parmênides a dedicação com o vir-a-ser a questão por excelência. Com chave de ouro, Nietzsche aponta a dupla dinâmica Platão e Sócrates, os responsáveis pela soberba do logos, da razão que exterminou Dionísio e exaltaram exacerbadamente Apolo, as luzes da frívola racionalidade.

Porém, diante de todas as acusações levantadas por Nietzsche, façamos um retorno à questão inicial: Quem, em lugar da filosofia grega, prefere dedicar-se a egípcia ou persa, porque essas são talvez mais originais e, em todo caso, mais antigas? O autor prossegue a questão falando que “procede com tanta desatenção quanto àquelas que não podiam contentar-se com a mitologia grega, tão esplêndida e profunda, enquanto não reduziram as trivialidades físicas, sol, relâmpago, tempestade e nuvem, como seus primórdios, e que, por exemplo, pensam ter reencontrado na limitada adoração de uma única abóboda celeste, nos outros povos indo germanos, uma forma de religião mais pura do que a politeísta dos gregos, em suma o caminho para início como uma barbárie.

Mas em que contribui Nietzsche, com tamanho desencanto em relação ao mundo grego antigo? Especialmente em relação a Sócrates? Nietzsche parte do seguinte ponto: “reconheci Sócrates e Platão com sintomas de caducidade, como instrumentos da dissolução grega, como pseudogregos, como antigregos (Nascimento da Tragédia, 1872). Aquele consensus sapientium, isto eu compreendia cada vez melhor” (NIETZSCHE, 1974, P.337). Na sentença anterior, o filósofo coloca em jogo a autenticidade e utilidade da filosofia socrática e platônica, pois, a rota que a filosofia do ocidente segue após eles foi totalmente dessemelhante da filosofia contemplativa e ascética dos pré-socráticos e maiores ainda da filosofia poética e patológica de Homero, Hesíodo, Sófocles e outros.

A inversão do caminho que a filosofia faz, foi fruto de uma racionalização do que os antigos chamavam de sabedoria, ou o sapore, o gosto, o paladar filosófico deixa de ser leve e agradável para se tornar amargo, frio e calculista. Sócrates como o arauto da decadência dos sábios, o sentido destorcido do ser sábio esta presente na figura do ateniense retórico, lógico, moralista que com facadas de silogismo derruba seu adversário e prova não ser um idiota. Mas o que Nietzsche deve aos antigos? O filósofo responde que “aos gregos não devo nenhuma impressão de semelhante força; e, para dizê-lo diretamente eles não são para nós o que são os romanos. Não se aprende com os gregos seu modo é estrangeiro demais, e também fluído demais para ter um efeito de imperativo, de “clássico”(...) e prossegue escrevendo que “conseqüentemente Goethe não entendeu os gregos. Pois somente o mistério dionisíaco, na psicologia do estado dionisíaco enuncia-se o fato fundamental do instinto helênico, sua “vontade de vida”. O que o heleno garantia a si mesmo com esses mistérios? A vida eterna, o eterno retorno da vida; o futuro prometido e consagrado ao passado; o triunfante sim
à vida, para além de morte e mudança; a verdadeira vida como sobrevivência coletiva pela geração, pelos mistérios da sexualidade. Para os gregos, por isso, o símbolo sexual era o símbolo do venerável em si, o verdadeiro sentido profundo dentro da inteira religiosidade antiga. Toda particularidade do ato de geração, da gravidez, do nascimento, despertava os mais altos sentimentos (NIETZSCHE, 1974, p. 352).

Por fim, Nietzsche desbravou o espinhoso caminho do desencantamento, este que o filósofo do martelo, expressão que ele autodenomina-se percorreu. Levantar o véu das antigas sabedorias gregas que na realidade não são provenientes do mundo grego (segundo o filósofo), mas são fruto de uma enciclopédia de conhecimentos árabes, egípcios, fenícios, chineses e de outros povos antigos foi uma árdua missão, porém, mais árdua é sua atitude de desmascarar a filosofia contemplativa e ascética dos pré-socráticos, a filosofia silogística e retórica de Sócrates e Platão (as colunas da filosofia do Ocidente) e desmontar ou melhor desconstruir todo o arsenal de respostas e soluções que possuíam os gregos com sua forma metafísica de explicar o mundo, a natureza e o homem, foi sem sombra de dúvida uma atitude pouco louvável, mas muito reveladora e audaciosa.


[1] Licenciando em Filosofia pela PUCPR.

Síntese do V livro da obra Ética a Nicômaco de Aristóteles




Charles Fernando Gomes

1। Introdução
Luc Ferry
Como viver? É a questão principal, pois contém todas as demais. Como viver de uma maneira feliz, mais sensata, mais livre? No mundo tal como é, já que não temos opção. Na época que é nossa, já que todas dependem dela. Para transformar o mundo? Para se transformar? Ambos. Um pel
o outro. A ação é o caminho. Mas que só vale pelo pensamento que a ilumina. O máximo de felicidade no máximo de lucidez: é o que os antigos chamavam sabedoria, que dava sentido a filosofia e à vida deles. Mas a sabedoria deles não é nossa. Ou, antes, a nossa não poderia reproduzir, pura e simplesmente a deles. O mundo não é o mesmo. A sociedade não é a mesma. As ciências, a moral, a política. Como poderíamos ter a mesma vida, a mesma maneira de nos salvar ou nos perder? (COMTE, 1999, p. 05) Se quisermos reatar como o ideal antigo de saberia, foi menos por nostalgia do que por impaciência. A vida é breve demais, preciosa demais, difícil demais, para que nos resignemos a vivê-la de qualquer jeito. E interessante demais para não nos darmos tempo de refletir a seu respeito e debatê-la. Como viver? Se a filosofia não responder a essa questão, para que a filosofia? (COMTE, 1999, p. 06) Talvez, o leitor desta síntese possa se perguntar aonde que cabe a reflexão de um filósofo moderno no sentido maior que postula a obra supracitada de Aristóteles, porém cabe uma observação mais minuciosa e atenta para fazer conexões que posteriormente na discussão sobre o a obra e na conclusão se tornarão mais claras.. A obra Ética a Nicômaco é composta por dez livros. O título indica o assunto, que é a ética. A obra designa as concepções morais nas quais o homem possui fé. Segundo o autor, o único objeto que o homem persegue é o bem, seja lá o que ele for ou faça, mesmo que pareça orientado para fins imperfeitos, mas o que ele tem em vista, em última instância, é o bem supremo, fim absoluto, buscado por si mesmo. A felicidade é da alçada da ética coletiva e da política, segundo Aristóteles. Sua filosofia é primordialmente dedicada às virtudes humanas e sua prática. O principal objetivo desta síntese será o quinto livro da obra Ética a Nicômaco। Trabalharemos como tema principal a justiça e seu universo de relações, relações estas que o filósofo grego debruçou após a formulação de seus quatro livros anteriores, que ele objetivamente estudara como núcleo: a ética, o bem, a felicidade e a virtude.

2। Livro quinto da obra Ética a Nicômaco

No que diz respeito à justiça e à injustiça devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é meio-termo. Nossa investigação se desenvolverá dentro da mesma linha que as discussões anteriores (ARISTÓTELES, 2004, p.103). Na introdução do quinto livro, Aristóteles já apresenta claramente o caminho que ele deseja e irá trilhar na obra, que é a relação entre a justiça, o ato de justiça e as relações da justiça. Para Aristóteles, “a justiça não é uma parte da virtude, mas a virtude inteira”. A justiça como o arquétipo da virtude inteira nos conduz a compreender nas entrelinhas, que o filósofo esta falando do universo espiritual da polis, da relação dos cidadãos e essencialmente do que é importante e indispensável para o bem-viver e a harmonia da sociedade. A justiça, enaltecida por ele, corresponde à predileção do sujeito justo que é um legítimo probo, um ser proporcional e inviolável a lei, poderíamos dizer em termos modernos, homem que não se corrompe. Mas, quem seria o homem justo e o injusto para Aristóteles? Diferentemente do homem justo, o homem injusto é ímprobo e iníquo. Porém o foco desta questão é o ato justo e injusto. Aristóteles afirma: “Sendo os atos justos e injustos aqueles que descrevemos, um homem age de maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente. Quando os pratica involuntariamente, ele não age nem injusta nem justamente, a não ser por acidente (ou seja, fazendo coisas que resultam em justiças ou injustiças). E o que determina um ato justo ou injusto é o caráter voluntário ou involuntário do ato (ARISTÓTELES, 2004, p.118-119). O filósofo grego esta discutindo particularmente a intencionalidade do ato, discussão esta que perpassa todo o mundo grego antigo e caminha até os arredores do medievo e permeia as mais conflituosas questões antropológicas e teológicas da modernidade e da atualidade. Como julgar um ato rotulando-o como justo ou injusto? Aristóteles levanta um imenso problema para refletirmos, pois, temas como vontade, escolha, lei e obediência circulam no universo da justiça e nos levam a investigar a natureza da justiça e de seu ato, a validade e a constituição do ato de um indivíduo e por fim o teor qualitativo, quantitativo e a causalidade que orienta determinado ato. Aristóteles trabalha a equidade e o equitativo e suas relações como a justiça e o justo respectivamente, e contribui afirmando que “a justiça e a equidade não parecem absolutamente idênticas, nem ser especificamente diferentes. Às vezes louvamos o que é equitativo e o homem equitativo (e até aplicamos esse termo a guisa de louvor, mesmo em relação a outras virtudes, querendo significar com “mais equitativo” que uma coisa é melhor); e às vezes, pensando bem, nos parece estranho que o equitativo, apesar de não se identificar como o justo, seja ainda assim digno de louvor; de fato, se o justo e o equitativo são diferentes, um deles não é bom, mas se são bons, hão de ser a mesma coisa (...). Por isso o equitativo é justo e superior a uma espécie de justiça, embora não seja superior à justiça absoluta, e sim ao erro decorrente do caráter absoluto da disposição legal” (ARISTÓTELES, 2004, p. 124-125). Por fim, Aristóteles esta alicerçado nas balisas da justiça que deve pautar e organizar as relações humanas de uma forma moral e virtuosa। Nem sempre o justo é o melhor para a justiça, como nem sempre a lei é o melhor para a legalidade, mas compreende o filósofo grego, nas relações de justiça e de injustiça no homem, que apesar de “metafórico e em razão de certa analogia, há uma espécie de justiça no homem, não em relação a ele mesmo, mas entre certas partes suas”. Para Aristóteles as “relações que a parte racional da alma guarda para com a parte irracional são desse tipo, e é tendo em vista essas partes que se pensa que o homem possa ser injusto para consigo mesmo, porque tais partes podem sofrer alguma coisa contrária aos seus desejos, de tal modo que parece haver uma justiça entre elas, como aquela que existe entre governante e governado” (ARISTÓTELES, 2004, p. 127).

3। Conclusão

Somos nossa história? Esta pergunta é resultado de um debate entre André Comte e Luc Ferry, presente no primeiro capítulo do livro Sabedora dos Modernos. Acredito que o leitor talvez não faça de imediato uma relação entre a obra moderna citada e a grega trabalhada acima, mas podemos iniciar uma interessante conclusão para esta síntese. Aristóteles apresenta a justiça, como um autêntico grego, algo inerente ao homem, algo que se encontra presente na natureza humana. O homem como um animal político e lógico, é possuidor de conhecimentos dos quais almeja desvelar, aprimorar e utilizar na construção e bem viver da polis. A justiça como a mais completa das virtudes, segundo o filósofo, comporta a solução para as mais diversas necessidades da cidade e de seus cidadãos. Detentora por excelência dos bons comportamentos, das escolhas e vontades e norteadora das ações, além de possuir um caráter inteiramente moral e legal, o que assegura a harmonia da cidade. André Comte e Luc Ferry, diferente de Aristóteles estão numa batalha entre dois campos bem opostos de idéias, isto é de um lado um humanista e de outro lado um materialista, o que ocasiona duas visões de mundo e de homem diferentes se debatendo e buscando um denominador comum que possibilite um diálogo entre esses dois pólos convergentes. Daí que eu convido Aristóteles a fazer parte desta discussão que não é apenas dos dois filósofos citados, mas é essencialmente nossa. Na filosofia da vida, todos somos convidados a entender a importância de se pensar no nosso modo de vida e dele fazer filosofia. Mas, e a ética e a justiça Aristotélica? Bem, esta se estabelece como o medianeira na discussão, pois, em qualquer âmbito do confronto moderno ela é sutil e acima de tudo prática, possuidora da teoria e da forma de utilizá-la na prática. Por fim, concluo que Aristóteles é a alta figura da modernidade em se tratando de ética, justiça e virtude। O filósofo não pergunta se nos somos nossa história, mas nos impulsiona a fazer história na estória, sei que seu impulso contém bula, indicações e até contra indicações, mas em se tratando de humanismo e materialismo é bem mais radical, pois propõe uma atitude legal, moral, intencional e acima de tudo responsável, pois a intencionalidade da atitude e suas conseqüências envolvem outros humanos também.

4. Referência

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. Martin Claret: São Paulo, 2004. COMTE-Sponville, André. A sabedoria dos modernos: dez questões para o nosso tempo/ André Comte-Sponville, Luc Ferry: tradução Eduardo Brandão- São Paulo: Martins Fontes, 1999.

A era dos impérios


HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

___. A era dos impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 6ª ed, 2002.

Charles Fernando Gomes

Paradoxalmente, o período entre 1875 e 1914 pode ser chamado de Era dos Impérios não por ter criado um novo tipo de imperialismo, mas também por um motivo muito mais antiquado. Foi provavelmente o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam imperadores ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título (cf. HOBSBAWM, 2002, p.87-88).

Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia, Turquia e (em sua qualidade de dirigentes da índia) Gã-Bretanha reivindicavam esse título de imperador. Dois deles (Alemanha e Grã-Betanha/Índia) eram inovadores dos anos 1870. Eles mais que compensaram o desaparecimento do Segundo Império de Napoleão Bonaparte III, da França (cf. HOBSBAWM, 2002, p.87-88).

Num sentido menos superficial, o período que nos ocupa é obviamente a era de um novo tipo de Império, o colonial. A supremacia econômica e militar dos países capitalistas a muito não era seriamente ameaçada, mas não houvera nenhuma tentativa sistemática de traduzi-la em conquista formal, anexação e administração entre o final do século XVIII e o último quartel do século XIX (período este que predomina a colonização imperialista da Europa sobre países asiáticos, africanos e latino americano). O mundo definitivamente se encontrara divido, seja administrativamente econômica, política ou social. Essa repartição do mundo entre um pequeno número de Estados, que dá título a obra de Hobsbauan foi à expressão mais espetacular da crescente divisão do planeta em fortes e fracos, em avançados e atrasados (cf. HOBSBAWM, 2002, p.119-120).

Lênin e os marxistas abordavam a problemática do coloniasmo, como a divisão do mundo entre as grandes potencias. A palavra imperialismo passou a fazer parte do vocabulário político e jornalístico nos anos de 1890, no decorrer das discussões sobre a conquista colonial. Os imperadores e os impérios eram antigos, mas o imperialismo era novíssimo. A palavra foi introduzida na política Grã-Betanha nos anos 1870, e ainda era considerado neologismo no fim da década (cf. HOBSBAWM, 2002, p101-102).

A maioria das discussões sobre esse novo fenômeno são tensas, apaixonantes e confusas. Pois, a maioria das discussões não tinha como tema o que aconteceu no mundo de 1875-1914, e sim o marxismo, tema capas de suscitar sentimentos fortes: acontece que a análise altamente crítica do imperialismo na versão de Lênin se tornaria central no marxismo revolucionário dos movimentos comunistas após 1917 e dos movimentos revolucionários do terceiro mundo.

Um marca bem forte do imperialismo, é a leitura de um período marcado por conquistas territoriais de países europeus e a America sobre países não europeus, isto é, asiáticos e africanos principalmente; o desenvolvimento tecnológico que provem das guerras e investidas militares de países desenvolvidos e o consumo exorbitante de massas nos países metropolitanos (sistema mercadológico). Assim, podemos anexar como principais pilares do imperialismo: a dominação econômica sobre as grandes fazendas e propriedades rurais e os comerciantes e financistas metropolitanos.

A industrialização registra o resto mundo em semi-colônias, ou seja, presos na gaiola da especialização. A função dessas colônias ou semi-colônias é não fazer concorrência com as grandes potencias mundiais. As grandes potencias eram Estados que adquiriam colônias, as pequenas nações não tinham, por assim dizer, nenhum direito, pois, padeciam da perda de terras em guerras e apropriações indevidas. As principais regiões onde havia competição pela retenção de terras ficavam na África e na Oceania.

A Índia como o cerne da estratégia britânica e que exigia o controle das rotas marinhas (Egito, Oriente Médio, Mar Vermelho, Golfo Persigo e Arábia do Sul). Também é verdade que a desintegração do poder local em algumas áreas cruciais para este fim, como o Egito (incluindo o Sudão) levarão os britânicos a programarem uma presença política o que fortalece uma análise econômica do imperialismo (cf. HOBSBAWM, 2002, p.121-122).

Em suma, a política e a economia estão intrinsecamente ligadas na sociedade capitalista, assim como a religião e a sociedade nas regiões islâmicas. Qual o impacto mais profundo do capitalismo? No novo imperiliasmo, o que predomina são as relações representativas que possibilitam o aumento do poder, isto é, seja no campo da ideologia, da política, da economia, da democracia, da publicidade e da imagem, a obtenção da supremacia sobre seus subordinados é o objetivo capitalista. (cf. HOBSBAWM, 2002, p.123).

Por fim, podemos ressaltar a figura do pacifista Mahatma Gandhi que obteve sua formação inicial aos moldes europeus, isto é, foi letrado e instruído pelas academias inglesas, caminho bastante comum aos jovens de família nobre na Índia. O capitalismo que despersonaliza e desconfigura homens e nações com seus costumes e hábitos. O imperialismo uniformaliza, de forma tal que um hindu, africano ou islâmico passa a adotar um modo de vida que não lhe é comum. Mas porque ocorre este fenômeno? Bem, o predomínio dos fortes sobre os fracos, como defendia Lênin e os marxistas é massacrante, a educação, o consumo, a política e a economia de uma nação são subestimadas e neste sistema seqüestrador de vidas, o capital é o grande seqüestrador. Porém, Gandhi se despiu de uma vida inglesa e européia para assumir sua condição hindu e vestir-se de seu povo, mas quantos homens, nações e Estados tomariam a mesma posição e assumiriam os riscos que esta decisão acarreta?


Graduando em Filosofia pela PUCPR