terça-feira, 6 de outubro de 2009

Num diálogo sobre dor e depressão que obtive com uma amiga pelo MSN,

Num diálogo sobre dor e depressão que obtive com uma amiga pelo MSN, escrevi para ela que apesar de minha inutilidade frente a sua realidade, lhe escreveria minha reflexão.
Olá minha amiga J,

Suas palavras em meu correio particular sensibilizaram meus olhos e coração. Conduziu-me ao calvário das mazelas humanas, mazelas estas que eu não me encontro isento, mas alvo também. "É difícil ser gente", quando escutei esta frase me lembrei de ti e de suas palavras de angústia. É subjetividade na artéria do tempo, que convida a resignificar e revalorizar algumas prioridades que damos na vida e que só produzem sofrimento, a dor é território santo, é rito do altar, é fórmula da celebração que não podemos ignorar é simbiose das morfologias e dos contratempos que trilhamos no ermo e almejamos insistentemente chegar a algum lugar. Missão impossível não querer sentir pressão e impressiona aos meus olhos aqueles que sem pressa possuem depressão. É impressão produzida pela enganação daqueles que habitam em casas de vidro, desprotegidos das pedras lançadas pelos algozes e condenadores. Meu medo é que eu esteja dentro desta casa e ao mesmo tempo fora. Impondo-me no ato de apedrejar minhas sensibilidades e privações humanas, ou pior que reproduza este gesto em alguém que amo mais não me esforço em compreender, incoerência do caminho, avesso do discurso. Não se adia o tempo para viver, "ser feliz me consome", ninguém é detentor do poder da morte para ter o direito de roubar, privar e aprisionar vidas no calabouço, deixar almas enfermas.

Nos altares da vida é normal encontrarmo-nos em certos momentos sangrados pelo sacrifício de cada dia que nos oferta a vida. Não é sinal de derrota, ou motivo para desanimar, pois, é no limite de nossas capacidades, no extremo de nossos sentimentos e na raiz de nossas fraquezas que inauguramos um celestial encontro conosco mesmos. Há sintomas que são agravados em nosso coração pela perda de nossas identidades, há feridas que se abrem por certos descuidos com nossa personalidade e chagas cravadas em nosso espírito por olhares apressados em nossa direção, possuidores de vinagre, de azedume que se destila em nossos lábios em momentos que imploramos por uma gota de água, simbolizando a vida que carecemos por restituição. Aí, o que nos resta é o rolar de lágrimas como uma cascata que desce das pedras, pedra esta que refere-se ao nosso coração inchado de pranto, cascudo pelo descuido daqueles que tutoriamos a cuidar, zelar, guardar e amar, nem que seja um pouquinho para quem sabe a dor sarar ou ao menos passar um cadinho, dar um alívio.

Eu não sei como você se encontra, e isto me é favorável, pois, me deixa ileso de pré considerações e juízos de valor adiantados. Não vejo seus olhos dizerem nada e nem escuto o trêmulo soar de sua voz ou percebo palavras não ditas em seu relato sobre inquietações que te visitam. Sou amigo e isto me possibilita o papel de amenizador da dor, conciliador do coração e incapacitado para invadir seu território interior, devido ao meu respeito por ti. Ponto a favor que me coloca na posição do ouvinte atento que não deixa passar despercebida uma palavra se quer, um gesto que for e expressão alguma, mas mesmo assim não me permite desbravar o que em ti não é público, anunciar o que em ti é lacrado e precipitar o que em ti é velado. Sou para ti uma presença que deseja marcar um encontro com suas duas realidades, isto é, a que sente e presencia a dor e a que diagnostica a irregularidade funcional. Você possui privação de si, ausência de autênticidade, adiamento de sorriso e constância de questionamentos sobre sua forma de vida, questões estas que produzem mal estar, lágrimas e dúvidas, mas são reações passageiras e não um estado terminal que possas te internar na UTI.

O que posso fazer? Rezar por ti, enviar-lhe meu carinho e afeto e dizer que apesar de tudo que se passa, isto vai passar e será conduzido ao baú das recordações de um passado não tão distante mais que não deve ser presencia de novo. Tu és guerreira e sábia e vencerá seu sentimento de pequenez, alcançará a luz que lhe é própria e esmagarás seus desafetos e constrangimentos. Vencerá inicialmente a ti e sentirá o leve erguer de sua cabeça, a calmaria do mar agitado será estabelecida e não haverá mais calamidades em seu coração, serás ordenada em seus sentimentos e teu paladar irá degustar deste alimento salutar e salvífico que é a vida e que chama por mais vida, esta em plenitude e eternizada no tempo que localiza sua corporeidade e espiritualidade.

Acenda, acenda, tu nascestes para lançar fogo no mundo e levar luz a corações....tu és a beleza da vida e a serenidade que representa criação de Deus.

Abraços e um beijo!

Observo neste cenário a dificuldade de navegar nas águas do sofrimento humano e isto se revela nos tramites da carta. Sinto que eu digo e não digo ao mesmo tempo, as palavras são endereçadas ao coração, pois são advindas de um coração também. Eu senti suor e frio constantes em minhas mãos ao escrever esta carta. Falar de sentimento é andar em campo minado, necessita-se ter cautela e não apressar o passo para não descompassar o enredo.
A pequenez de J quando nos falamos pela primeira vez me comoveu de uma forma que eu não consegui conter as lágrimas rolando de meus olhos. J é uma mulher determinada e sábia, do tipo que sabe o que quer e como quer as coisas, mas isto não a isentou do desencontro entre o caminho e o caminhante, à vontade e o destino, o se achar e o perder-se. Limites que não buscamos, mas nos buscam e avassaladoramente interrompem o seguimento da trilha. Situação esta que nos colocamos em cheque e perguntamo-nos: o que devo fazer? Para onde devo ir? O que devo fazer? E todas estas perguntas existenciais se desengavetam dos armários interiores e inconscientes, pois, agora estamos na solidão humana e não há nada o que fazer e esperar, basta refletir e aprender com o impossível e insuportável diante da vida que não se apaga, talvez se ofusque mais nada mais que isso.
Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.Fernando Pessoa enaltece a vida que brota do nascente do coração, mas não nega sua morte, pois, o poeta sabe que na morte há nascimento e perpetua-se a ignorância diante deste paradoxo da existência, pois, falhamos e falhamos muitas vezes, mas não estamos dispostos a pagar a falha com a morte da vida, pois, desejamos vida e mais vida. E viver é sonhar, e de sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos, como afirma Fernando Pessoa.



Nenhum comentário: