segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Carta


Curitiba, 23 de novembro de 2009-12-23

Carta endereçada a Juliana Kureke

O retiro espiritual, quando bem vivido é momento de profundo encontro com Deus. Madre Teresa de Calcutá dizia: se um dia eu for canonizada serei conhecida como a santa da escuridão. Esta frase nos revela quão grandioso é o encontro com o Amado, que como dizia Santa Tereza D'Ávila também é um desencontro, é um falar silenciosamente e um enxergar na escuridão. Paradoxal como os planetas e as galáxias mais distantes do universo que nunca se distanciam ou se perdem do Sol por mais longe que estejam, assim somos nós, pois por mais que caminhemos e nos desencontremos em nossa jornada espiritual, paradoxalmente nunca saímos do coração de Deus, pois como dizia Pascal nos habitamos no coração de Deus e carinhosamente ele pensa em nós. Por mais que estejamos na escuridão, ele nos clareia o caminho, pois ele sabe que pó que viemos como diz o salmista, e mesmo assim piedosamente ama-te e lhe acolhe. Como na narrativa do evangelista Lucas, semelhantemente à galinha que cuida de seus pintinhos e os resgata para ficarem protegidos no ninho, Deus faz assim conosco, isto é, se porventura não nos encontrar, ele deixa tudo e vai atrás da ovelha perdida que antropologicamente somos nós, seus filhos e filhas amados. Ou em último caso, nos deixa ir e nos perder, mas ansiosamente aguarda nosso retorno para nos beijar a face, colocar um belíssimo anel em nosso dedo e preparar uma imensa festa, pois, como o Pai do filho do pródigo, Deus nunca desiste de seus filhos e faz um banquete quando regressamos para sua casa.

Tu para mim és uma pessoa muito especial, e isto se revela em nosso encontro de irmãos em Cristo. Espero Juliana que neste momento que freme seu coração igualmente ao coração da noiva que espera encontrar-se com o noivo (Cântico dos Cânticos) tu possas deleitar-se da presença do Criador, do nosso Redentor e Rei. Ele que sonda os nossos pensamentos e perscruta até o mais íntima de nossas entranhas, ou como diz o salmista perscruta nossos rins, ele possa tocar em você, cuidar de seus sentimentos e curar seus desafetos, fazer cicatrizar as feridas e proporcionar repouso seguro para sua cabeça e seu corpo. Receba esta nova etapa de sua vida como um presente vindo do céu, isto é, de onde você também veio e um dia voltará para verdadeiramente ser presenteada com a vida eterna jorrada pelas mãos da Aba, o paizinho, forma que proferia Jesus em seus momentos de intimidade com Deus na montanha. São João da Cruz disse a um irmão frade quando lhe foi visitar na prisão: se por ventura vires aquele a quem tanto amo diga que morro, que gemo e sofro de saudades dele. Assim, digo a ti que em seus encontros frutuosos com o Absolto (expressão dos filósofos), lembre-se de rezar por seus amados familiares e amigos, e me inclua, e repita essas palavras do Santo, pois é a mais pura verdade de fé, isto é, nos gememos de saudade de Deus, especialmente quando o pecado nos circunda e aprisiona nossas almas. E são nesses momentos sagrados que suspiramos e clamamos pela luz verdadeira, que só dele pode vir, sendo ele o criador da luz.

Sejas firme em teu caminhar na missão profética e apostólica que lhe chama a Igreja criada por Jesus e fundamentada pelos apóstolos O mundo precisa de ti e grita por ouvidos sensíveis ao apelo dos pobres. Seja luz do mundo e sal da terra, Jesus nos convida assim e nos deseja como promotores do paladar divino na seara humana. Concluo repetindo as palavras de Santa de Terezinha do Menino Jesus, padroeira das missões e doutora da Igreja: No final da vida não seremos julgados por nossos títulos, medalhas, aplausos e nenhum tipo de honrarias que recebemos neste mundo, mas pelo mínimo de amor que tivemos pelo nu, pelo faminto, pelo encarcerado, pelo lascado e pelo sedento. Quem obteve esta transdescendência, isto é, este gesto de humildade, simplicidade e compaixão diante do irmão caído é que escutará a voz ‘Vinde benditos de meu Pai, pois de vocês é o reino dos céus”. Pois, Jesus se fez pobre, assumiu a sina de cruz que é a vida dos pobres e amou os pobres como Deus os ama. Predileção esta que Francisco e Clara imitaram e adotaram como forma de vida, isto é, ser pobre com os pobres, chamando-os de irmãos, adotando-os em suas vidas e não em instituições e hospitais, mas sim no coração, restituindo- os de valor humano que neles estava escondido pela miséria e descuidado. Francisco e Clara profundamente cuidava deles.

Que como os Santos e Santos, tu possas ser tocada por Jesus e sentir-se profundamente amada e querida e disposta a seguir seus passos com fé e fidelidade. Como nas palavras do profeta Jeremias “tu és meu, és precioso para mim e por isso te chamei pelo nome”. Assim és tu, grandiosamente amada por Deus e chamada a ser discípula dele.

Dado em Curitiba, 23 de novembro de 2009-12-23

Domingo Dia do Senhor -- Solenidade de Cristo Rei.


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MISSIONÁRIO DO AMOR



Meu ofício? Bem, meu ofício é ser Jesus no coração da humanidade. É levar eucaristia em territórios cravados pelas chagas que o pecado coloca. Instaurar vida aonde predomina as mazelas da discórdia, da incompreensão e do desamor. Resgatar vidas que por descuido ou desatenção tem sido levada para a mansão dos mortos. Ressuscitar vivos de seus calabouços, prisões espirituais e angústias. Estender as mãos de Jesus sobre o universo com minhas pequenas e calejadas mãos, que mesmo sendo humanas possuem luzes do Sol, rastros da divindade e unção de um chamado que não sou merecedor, mas Deus assim desejou, ele me quis!

Minha carteira de trabalho? Meu empregador é Jesus e o único vínculo empregatício que se estabelece entre nós é o amor. Das necessidades humanas que capta meu ofício, a primeira que exige minha presença e clama por meu nome é o amor que devo doar aos pobres, marginalizados, prostitutas, delinqüentes, etc. Estes destituídos de suas identidades e nomeados socialmente pelo mundo são meu alvo, centralidade de minha atenção, jornada diária de meu emprego. A centralidade de meu ofício são homens e mulheres, velhos e crianças, homossexuais e travestis, alcoólatras e viciados em entorpecente, crentes e descrentes, vivos e mortos, habitantes de cativeiros, encarcerados e seqüestrados. Estes se encontrão aprisionados por seus algozes e já não sabem quem são, desconhecem seu Pai Criador.

Sou o funcionário que se prontifica a ficar de plantão em corações sangrados, machucados e desolados. Plantão em olhos apagados, vermelhos como em brasa pelo pranto que suas realidades os condicionam e direcionam. Ordenados por sistemas, pessoas e instituições que desconhecem o perdão, a caridade, o cuidado, a empatia, o zelo, o carinho, a dignidade, a responsabilidade e o respeito que preza a lei de Deus e abole qualquer lei do reino deste mundo, isto é, dos homens.

Minha jornada de trabalho? Pois bem, sou plantonista perpétuo. Intervalos e folgas não foram programados em meu contrato. Minha jornada inicia-se com o nascer do Sol e se estende até a aurora de um novo dia que se anuncia. Olhares caídos me empregam no momento em que os vejo, ou no caso de um possível descuido que não os observe, eles me vêem e gritam de coração para coração e eu os ouço. Sou farmacêutico? Também, mas os remédios que receito e levo não são resultados de alguma formulação química, mas sim do diagnóstico que me é revelado pela luz do Médico dos médicos.

Meu trabalho exige uma jornada sobre humana, e por isso nunca trabalho sozinho, aonde quer que eu vá meu chefe vai comigo e nada temo. Seus olhos guardam minha fronte e conduzem-me para o reto caminho. Minha remuneração já foi feita em oferta pela vida de meu Redentor e nele já foram saldadas todas as minhas dívidas.

Possuo plano de saúde? Aposentarei? Meu plano de saúde se chama salvação e nela não sou vítima de doenças que alcançam a alma, o câncer do pecado já me foi curado. Só me aposentarei quando o Reino de Deus for estabelecido em todas as casas, em todos os corações e mentes que existem no mundo. Sou empregado da salvação e minha missão é levar coração aonde não há sensibilidade aonde se desertificou e esterilizou-se. Ser tempo de vida aonde sombras da morte enfileira cadáveres marginalizados e habitantes de sarjetas e beiras de esquina.

Bem, sou funcionário do céu e Deus é meu chefe. Meu contrato é rito da liturgia da vida, é cálice que se ergue sobre corações despedaçados e os restitui. São água e vinho em aqüíferos poluídos e fétidos. Ser sangue e espalhar sangue em veias e artérias impossibilitadas de levar sangue ao coração paralisando seu bombear que nutre a vida e o corpo, que é pão que alimenta e salva por Jesus em Deus.

Sou apóstolo da paz que sopra o huar a pneuma de Deus em espíritos perdidos e abatidos. A sacralidade e a plenitude da natureza são uma de minhas responsabilidades. Em minha profissão o ser humano nunca pode ser esquecido, mediocrizado e apequenado. Quem sou? Sou um sacerdote de gente, pessoas que lutam para não se esquecerem quem são, de quem são, pelo que são, para que foram feitas e quem os criou. Lembrar que somos pó das estrelas, pois, do céu viemos e para lá voltaremos, iluminaremos o mundo.

Para que sou? Sou para Deus e em Deus me fortaleço-me alimento-me e me plenifico. A palavra que sai de sua boca é meu pão. Pão que se multiplica e alimentam crianças abandonadas, seres famintos de atenção e cuidado. Meu alvo é o sofrimento e as mazelas da história humana que desfalece as rosas de nosso cotidiano deixando-as despetaladas. Sou o Salvador do mundo? Sou filho dele e nesta herança sou consagrado a repetir o seu gesto de vencer a cruz para ressuscitar os mortos e os vivos. Retirar do calvário homens que possuem famílias para assumir, mulheres grávidas e desamparadas pela sociedade. Minha vida é vida de Deus e sou habitante do céu. Do céu venho e para lá levo a humanidade, lá aproximo vidas da Vida de Deus. Sou doação do amor que no Tempo se eterniza.

Qual é o meu alimento? Alimento-me do corpo e do sangue de Jesus. Do Redentor que do alto da cruz, pregado, chagado e coroado de espinhos, derramou todo seu sangue por mim e disse para seus algozes: “perdoai-vos eles não sabem o que fazem”. Minha herança é minha alma resgatada da penitência do pecado. Nesta herança renovo meu apostolado divino e faço novos discípulos para meu mestre, assim como ele me ensinou. Não recosto minha cabeça sobre o mundo e esvazio meus bolsos para a corrupção. Minha recompensa é o sorriso da idosa cansada que pude consolar, é a saciedade da criança que rejeitada e com fome estava e agora embalada se encontra ninada em meus braços usufruindo de um sono da paz, é a luz no caminho escuro que jovens e adolescentes percorrem apressadamente fugindo do mundo e de si. Perscruto o medo e a covardia de homens que no pranto se escondem em seus quartos e isolados vivem na solidão que lhes cabe. Dou-lhes o cálice da salvação, proponho comunhão diária e dou-lhe a benção que sobre minhas mãos Deus ministrou.

O que quero ser? Deus, sem imitar ou me orgulhar de vaidade, inflar meu peito de arrogância. Ser Deus em vidas que o ateísmo se fez morada, em existências pálidas e anêmicas que foram vendidas e compradas em shoppings e revistas de nosso povo. Preceder a palavra do evangelho nos ouvidos de minha gente antes da visita inusitada e precipitado das emissoras de comunicação que turbilhão e inquietam a paz de famílias. Quero chegar a sua vida antes do mundo e anunciar ressurreição. Pois, depois da morte é com Deus que nos encontramos, ceamos e adoramos.

E porque não posso casar? Porque há um templo em meu coração, imenso como o oceano, casa de acolhida que com ternura recebe a todos que me visitam. Não posso dedicar meu amor a uma só mulher ou decidir-me ser pai de algumas crianças, deixando muitos outros que carecem de paternidade.

No meu coração há lembranças, recordações e sentimentos privados, lacrados e que guarda mistérios, embalsa vidas e no âmago de minha vida se protege como forma de escudo amores, paixões, ilusões e sentimentos dos quais a ninguém convido a visitar. É templo santo, território que só eu caminho, que mesmo sendo meu necessito retirar as sandálias dos pés e fazer reverência, reclinar minha cabeça e fechar meus olhos. É um rito sagrado que estabeleço ao peregrinar nas colinas de minha sensibilidade e vaidades que possui desejos e vontades de homem, mas, reconcilia-se sempre com meu ser sacerdote e se cala para que somente e apenas meu Deus possa falar. Em meu coração apago as luzes e deixo apenas as velas; sobre o altar central é meu Senhor que está e seus olhos radiosos se voltam para mim e aquecem meu íntimo.

Meu amor é grande demais para se fechar em apenas uma pessoa, escolher só um ser humano. Em meus dedos não cabe anel de compromisso com um ser apenas e sobre meu corpo não se recosta de forma exclusiva apenas um corpo que necessita de amor. Eu sou Terra, humanidade, céu, universo, água, fogo, vida, tempo e templo de Deus e no meu caminho não pode haver duas pegadas humanas, pois, só há uma pegada humana que é a minha e a outra é de Jesus, este que me guarda e ama. Eu sou vida que jorra vida e derrama compaixão a vidas desapaixonadas