terça-feira, 28 de julho de 2009

Sentimento


Sou o velho que guia a bicicleta e pedala, sou a criança que sentada observa o mundo que passa sobre seus olhos, sou a estrada que recebe dois caminhantes a peregrinar......sentimento, vida e tempo, ainda são elementos que o Criador não deu respostas para decifrá-los



segunda-feira, 13 de julho de 2009

O TIPO PSICOLÓGICO DE JESUS SEGUNDO NIETZSCHE


O TIPO PSICOLÓGICO DE JESUS SEGUNDO NIETZSCHE

CHARLES FERNANDO GOMES e TÂNIA POLIANE LOPES PASCHOAL


Introdução

Nesse trabalho será mostrada a concepção de Nietzsche sobre o tipo psicológico de Jesus, afinal o autor acaba chamando Jesus de idiota e isso deve ser averiguado, analisando-se o que Nietzsche entende por idiota e o que fez com que ele relacionasse seu entendimento de idiota com a figura de Jesus. As reflexões sobre o assunto estarão sempre girando em torno de outros conceitos de idiota que já apareceram na história da filosofia, bem como em torno de atribuições que se fazem do termo usualmente nos dias de hoje.

Em um primeiro momento será analisada a obra de Nietzsche que trata desse assunto diretamente e com enfoque: “Anticristo”. Sobre a obra já existem pormenores que devem ficar enaltecidos já nessa introduçao, tais como o momento em que foi escrito e a forma como sua apresentação ao público foi “sabotada”.

Nietzsche pretendia escrever um livro com o título “Vontade de poder”, ou “Vontade de potência”, porém suas crises de saúde acabaram o acometendo antes que ele pudesse concluir seu projeto original. Assim ele juntou vários fragmentos seus já escritos e montou livros para serem publicados. Dentre esses livros estava o “Anticristo”, o qual ele chegou a montar, porém morreu antes que o livro fosse para a topografia. Por esse fato a irmã de Nietzsche (Elizabeth) teve a oportunidade de fazer algumas alterações nos escritos, como, por exemplo, retirar o termo idiota do livro, pois ela pensava ser um absurdo chamar a Jesus de idiota e isso poderia trazer problemas para a tiragem do livro, ou até problemas com o público que poderia se revoltar como o fato. Outras alterações podem ter sido feitas, mas por hora é essa que interessa, pois por ela ter eliminado o termo idiota da obra já se comprova o fato de ela não ter entendido de onde veio o termo e qual a finalidade do uso que Nietzsche atribui a ele.

Após essa análise do tipo psicológico de Jesus a partir do “Anticristo” o próximo e último passo será expor o que Oswaldo Giacóia Junior, como comentador de Nietzsche, aponta em seu livro “Labirintos da alma” sobre essa conceituação nietzschiana de Jesus. Nessa parte do trabalho já será mostrado o que realmente Nietzsche critica, afinal ele não trava guerra contra o tipo Jesus, pelo contrário, o enaltece em alguns momentos, o que ele vê como problema é o cristianismo.

No livro de Giacóia fica evidente que o filósofo alemão distingue bem cristianismo e cristandade. A Cristandade seria a vivência do “reino de Deus” proposta por Jesus; já o Cristianismo seria a promessa do “reino de Deus”, daí nasce o julgamento, a culpa, o pecado. Giacóia expõem ainda como Nietzsche entende que quem deturpou a cristandade foi o apóstolo Paulo, o qual, com essa deturpação do ensinamento de Jesus acabou condenado a tudo que era ensinado, e negando o mundo. O cristianismo é colocado por Paulo como história da salvação e Israel como pré-salvação e o mundo se torna passagem para o céu, a vida perde sentido de vida.

Primeira parte – “Anticristo”

Para entender de onde surge a idéia de Nietzsche de escrever sobre o tipo psicológico Jesus que aparece em torno do aforismo 30 do “Anticristo” há a necessidade de retornar em alguns aspectos mostrados anteriormente na mesma obra. Primeiramente deve-se deixar claro que para ele o que se relaciona com bom são aspectos provindos de poder, e o que se relaciona com o mau é o que vem de fraquezas. Dentro desse contexto a felicidade seria vista como crescimento do poder, como superação; e, naturalmente, os fracos e malogrados deveriam perecer e pior do que qualquer vício seria ter compaixão por eles: é o que o cristianismo faz.

Naturalmente o tipo de homem que se deve cultivar para conservação da espécie mais forte é o homem temível. Por temor passa-se a cultivar o tipo oposto: “o animal doméstico, o animal de rebanho, o animal doente homem – o cristão...”. Para Nietzsche o cristianismo travou guerra de morte contra esse tipo mais elevado de homem, tomou partido do que é fraco, contrariando instintos de conservação da vida forte.Isso gera décadence, afinal, segundo o filósofo, a vida é “instinto de crescimento, de duração, de acumulação de forças, de poder: onde falta a vontade de poder, há declínio”.

Esse apego pela fraqueza acaba levando o cristianismo a ser a religião da compaixão, sentimento que entrava a lei da evolução, que é a lei da seleção. O cristianismo ainda é niilista, porque inscreveu no seu emblema a negação da vida. Nesse aspecto Nietzsche concorda com Schopenhauer, o qual diz que através da compaixão a vida é negada, tornada digna de negação – compaixão é a prática do niilismo, a compaixão persuade ao nada, é instrumento da décadence, pois conserva o que é miserável. Porém não se diz “nada”, se diz “além”, ou “Deus”, ou “a verdadeira vida”. Nietzsche ainda concorda com Aristóteles, segundo o qual a compaixão seria algo doentio e perigoso, ao qual se deve atacar com um purgativo de vez em quando, sendo a tragédia um purgativo, por exemplo. Enfim, para Nietzsche a compaixão, bem como seu acúmulo, gera doença no instinto da vida, e o filósofo pode representar o médico frente a isso, pois eles podem ser antítese aos teólogos que espalham essa idéia.

Nietzsche trava guerra contra os teólogos, pois, para ele, os teólogos se acham espécie mais elevada de homem, vêem-se como detentores de todos os grandes conceitos nas mãos e com desprezo eles os põem em jogo contra o “entendimento”, os “sentidos”, as “honras”, o “bem viver”, a “ciência”, eles vêem tais coisas abaixo de si; utilizam-se de sua santidade para ditar como se alcança o espírito puro (livre de pecados, enganos, tentações), porém, para Nietzsche o espírito puro é pura mentira...porque prejudica a vida mais do que qualquer horror e vício. Enfim, Nietzsche faz guerra contra os teólogos, pois eles criam sua ótica e dessa ótica em relação às coisas o teólogo faz uma moral, uma virtude, uma santidade, vinculada a boa consciência, exige que nenhuma outra ótica possa mais ter valor, após tornar sacrossanta a sua própria, usando as palavras “Deus”, “salvação”, “eternidade”; e ele vê os filósofos como espíritos livres, aqueles que são uma “tresvalorização de todos os valores”, ou seja, são aqueles que podem gerar reviravolta nos dogmas impostos e causar tresvalorizações.

Essa idéia fictícia criada e implantada pelos teólogos tem raiz no ódio à realidade, mas sofrer com a realidade significa ser uma realidade fracassada. Isso leva Nietzsche a uma primeira crítica ao conceito cristão de Deus: se um povo crê em si quer um deus para reverenciar suas virtudes, para projetar seu prazer e agradecer; tal Deus precisa ser capaz de ajudar e de prejudicar, de ser amigo e inimigo, pois o que significa um Deus que não sabe o que é ira, vingança, inveja, escárnio, astucia, violência? Para que ter um deus que não entende seu povo quando ele perece também? Aqui percebe-se a castração antinatural de um deus, pois tornando-o apenas do bem, chega-se no contrário ao desejável. O Deus que representa o povo se torna só o bom Deus e isso leva a um retrocesso fisiológico: também a uma décadence. A divindade da décadence, é o deus dos fisiologicamente regredidos, dos fracos.

“O conceito cristão de Deus: Deus como deus dos doentes, Deus como aranha, Deus como espírito – é um dos mais corruptos conceitos de Deus que já foi alcançado na Terra. “Deus do monoto-teísmo cristão! Esse híbrido fruto de declínio, no qual todos os instintos de décadence, todas as fadigas e covardias da alma têm sua sanção!”

Nietzsche não critica o budismo como critica ao cristianismo, mesmo as duas sendo religiões de décadence, porque o budismo é mais realista do que o cristianismo. Ele não utiliza conceito “Deus”. Assim sendo, o budismo não fala em “combater o pecado”, mas sim, fazendo justiça à realidade, em “combater o sofrimento”. Algo que o diferencia profundamente do cristianismo é que o budismo não utiliza os conceitos morais de conduta como faz o cristianismo, ele utiliza conceitos além do bem e do mal. A oração é excluída, assim como a ascese. Não há nenhum imperativo categórico, nenhuma coação, mesmo dentro do mosteiro. A intenção principal é a dietética, o equilíbrio frente às necessidades fisiológicas e frente à dieta espiritual.

Os pressupostos para o budismo são um clima ameno, manso, de liberdade nos costumes, sem militarismo; já no cristianismo os instintos são sujeitados e oprimidos para aqueles que buscam a salvação, no cristianismo o corpo é desprezado (higiene inclusive, pois é ligada à sensualidade). “Cristão é o ódio ao espírito, ao orgulho, coragem, liberdade, libertinage do espírito; cristão é o ódio aos sentidos, às alegrias dos sentidos, à alegria mesma...”.

Segundo Nietzsche o cristianismo quer assenhorear-se de animais de rapina, bárbaros. Torna-os doentes, os debilita para domesticá-los civilizá-los. Já o budismo é uma religião para homens tardios, raças bondosas, brandas, que buscam paz, jovialidade, a dieta no espírito.

Mas por que o cristianismo tomou essa direção? Tudo se iniciou com a vontade dos judeus do ser a todo custo. Para isso eles caem na falsificação de todos os conceitos naturais. Em seu livro “Genealogia da moral” Nietzsche expõe dois conceitos antitéticos: o de Moral nobre e o de Moral do ressentimento, sendo essa segunda originária do Não à primeira. Dentro da formação do cristianismo percebe-se como se perdeu a moral nobre para dar espaço a segunda. Isso fica explicito com a história de Israel.

Originalmente Israel achava-se na relação correta, natural, com as coisas (moral nobre). Seu Javé era expressão da consciência de poder, esperava-se dele que ele trouxesse ao povo o que era necessário, em especial a chuva. Ele era o deus de Israel, o deus da justiça sendo justiça a lógica de todo povo que está no poder e tem boa consciência. Nesse período originário nos cultos festivos se exprimiam os dois lados da auto-afirmação do povo: agradecia-se pelas vicissitudes, pois eram elas que os faziam se superar e subir ao topo, e agradecia-se pelo ciclo natural das estações, as quais possibilitavam boa pecuária e boa agricultura.

Com as crises anarquistas internas e com a ameaça assíria externa o velho Deus se perdeu. “Javé, o deus da “justiça”, não é mais uma unidade com Israel, expressão de amor próprio de um povo: apenas um deus sujeito a condições...”. Os sacerdotes passam a interpretar felicidade como recompensa, e desobediência a Deus como pecado, ou seja, elimina-se do mundo a causalidade natural e instalam a punição e a recompensa: “o acaso despojado de sua inocência; a infelicidade manchada como conceito de “pecado”; sentir-se bem como perigo, como “tentação”; a indisposição fisiológica envenenada com o verme-consciencia...”. “Não se acha em todo o evangelho conceitos de culpa, castigo, ou recompensa”.

Assim tem-se “a moral, não mais expressão das condições de vida e crescimento de um povo, não mais seu mais básico instinto de vida, e sim tornada abstrata, antítese da vida – moral como sistemático aviltamento da fantasia, como “mau-olhado” para todas as coisas”.

Em boa parte o documento utilizado pelos sacerdotes para a falsificação da moral é a Bíblia. Fizeram dela um estúpido mecanismo salvador, sendo a culpa perante Javé fonte de castigo e a devoção recompensa. “A desobediência a Deus, isto é, ao sacerdote, à “Lei”, recebe então o nome de “pecado”; os meios “reconciliar-se com Deus” são, como é de esperar, meios com os quais a sujeição ao sacerdote é garantida ainda mais solidamente: apenas o sacerdote “redime...”.

Nesse ponto Nietzsche inicia sua analise do tipo psicológico de Jesus. Diz que o que importa dentro do cristianismo é analisar o tipo psicológico do redentor. O resto já foi desvendado, já foi explicitado, bem como a real função dos sacerdotes e como a inversão de valores moral que ocorreu com o cristianismo.

Esse tipo Jesus pode estar nos evangelhos, porém eles carregam mutilações e traços alheios. As tentativas extraídas do evangélico sobre a descrição da “alma” de Jesus, “me parecem provas de uma execrável leviandade psicológica”.

Analisando-se os termos utilizados por Renan, um teólogo, para se referir a Jesus tem-se herói e gênio. Herói porque Jesus se torna aquele capaz de resistência e encontra sua beatitude na paz, na brandura, no não poder se inimigo. É dito herói porque não pede nada apenas para si, mas para todos, afinal todos também são filhos de Deus. E é dito gênio, porém, segundo Nietzsche o gênio da maneira como é entendida na “nossa cultura” não caberia ao mundo em que viveu Jesus.

“Caberia uma outra palavra aqui – a palavra “idiota”. Um estado de doentia excitabilidade do tato, no qual se recua, tremendo, ante qualquer apreensão de um objeto sólido. Traduza-se um tal habitus psicológico em sua lógica derradeira – como ódio instintivo a toda realidade, como refúgio no “inapreensível”, no “incompreensível”, como aversão a toda fórmula, todo conceito de tempo e lugar, ao que é sólido, costume, instituição, Igreja, como estar em casa num mundo que já não é tocado por espécie nenhuma da realidade, um mundo apenas “interior”, “verdadeiro”, “eterno”... ‘O reino de Deus está em vós’”...

Dostoiévski descreve essa figura desse estado psicológico, percebe o encanto dessa mistura de sublime, enfermo e infantil. Nessa descrição Nietzsche vê mais compatibilidade com o tipo Jesus do que em idéias de Jesus imperioso, como as empregadas por Renan, pois com a descrição de Jesus como herói ou gênio já se anula o tipo Jesus. Para Nietzsche Jesus não estaria preocupado em ser isso ou aquilo, ele simplesmente era, simplesmente vivia, não se preocupando com prejulgamentos ou planos previamente formulados para alcançar seus objetivos. Ele não se pautava em convenções, e não se metia com política, mesmo tendo esse poder em mãos (afinal tinha grande número de pessoas ao seu dispor e podia iniciar uma revolução a qualquer momento). Nesse aspecto político pode-se memorar Aristóteles, pois ele nomeava idiota justamente aquele que era cidadão e não se metia na vida política. Pode-se até chegar a dizer que Cristo, para Nietzsche seria um exemplo de espírito livre, livre de manipulações e preceitos de vida:

“Seria possível, com alguma tolerância de expressão, chamar Jesus um “espírito livre” – ele não faz caso do que é fixo: a palavra mata, tudo o que é fixo mata. O conceito, a experiência “vida”, no único modo como ele a conhece, nele se opõe a toda espécie de palavra, formula, dogma, fé, lei. Ele fala apenas do que é mais íntimo: “vida”, “verdade”, “luz” é sua palavra para o que é mais íntimo – todo o resto,a realidade inteira, toda a natureza, a própria linguagem, tem para ele apenas o valor de um signo, de uma metáfora”.

Este fator de ruptura entre espírito livre e palavras bonitas sobre beatitude é, pata Nietzsche a boa nova, sendo a beatitude algo que não é prometido, não ligada a condições: é a única realidade – o resto é signo para dela falar. O reino do céu é, então, um estado do coração e não algo acima da Terra ou após a morte. No evangelho não se diz morte como passagem, ponte para o reino do céu. Apenas é referida para ser útil aos signos.

Jesus, “esse ‘portador da boa nova’ morreu como viveu, como ensinou – não para ‘redimir os homens’, mas para mostrar como se deve viver. A prática foi o que ele deixou para a humanidade: seu comportamento ante os juízes, ante os esbirros, ante os acusadores e todo tipo de calunia e escárnio – seu comportamento na cruz. Ele não resiste, não defende seu direito, não dá um passo para evitar o pior, mais ainda, ele provoca o pior... Ele pede, ele sofre, ele ama com aqueles, naqueles que lhe fazem mal... As palavras que ele diz ao ladrão na cruz contêm todo o evangelho. ‘Este foi verdadeiramente um homem divino, um ‘filho de Deus’ – diz o ladrão. “Se sentes isso – responde o Salvador –, ‘então estás no paraíso, és também um filho de Deus...’ Não defender-se, não encolerizar-se, não atribuir responsabilidade... Mas tampouco resistir ao mau – amá-lo”.

Após a implantação do cristianismo e a crença cega nele que o sucedeu graças aos sacerdotes e suas pregações utilizando a argumento de autoridade de Deus “a humanidade acha-se de joelhos ante o oposto do que foi a origem, o sentido, o direito do evangelho, ela ter santificado no conceito de ‘Igreja’ precisamente o que o ‘portador da boa nova’ sentia como abaixo de si, como atrás de si – procura-se em vão por um exemplo maior de ironia histórico-universal”.

A difusão do cristianismo para massas ainda mais amplas o faz escapar cada vez mais de seus pressupostos. Tornou-se necessário banalizar, vulgarizar o cristianismo para dissipá-lo. Por exemplo, embutiram nele ritos e cultos do Império Romano, assim como o absurdo de toda espécie de razão doente.

O destino do cristianismo está na necessidade de que sua fé mesma se tornasse tão doente, tão baixa e vulgar como eram doentes, baixas e vulgares as necessidades que com ela deviam ser satisfeitas. A Igreja torna-se forma de inimizade total a toda retidão, a toda altura da alma, a toda disciplina do espírito, a toda humanidade franca e boa.

Valores cristãos, valores nobres. Somente os tornados espíritos livres restabelecem seu contraste. E aqueles que podem chegar a isso são os filósofos: “nós, espíritos tornados livres”, os únicos capazes da transavalorização dos valores, a qual se inicia com a própria figura do redentor.

Segunda parte – “Labirintos da alma”

Nietzsche analisa a tipologia psicológica de Jesus pela lente de sua história e pelo contexto judeu-cristão dos primeiros séculos que é composto das narrativas dos evangelhos (em especial os sinóticos, Matheus, Lucas, Marcos e João) e das cartas de Paulo (nos atos dos apóstolos) para as primeiras comunidades cristãs.

Décadent, expressão que o filólogo se utiliza para identificar Jesus, sendo o mais interessante décadent da história, ou em suas próprias palavras o único cristão, e este que morreu na cruz, tornando assim o evangelho uma má nova, um dysangelium. Segundo Nietzsche, o cristianismo como a cultura dos valores niilistas, de declínio que sobre estes axiomas (valores) exerce domínio.

Os evangelhos testemunham corrupção e Paulo conduziu até o fim este processo de degradação que começou com a morte do Redentor. A bíblia é utilizada como método de sedução, esta que divide justos e injustos (o resto do mundo). Para Nietzsche, o Deus cristão é um Deus que nega a si mesmo, e nesta negação Paulo utiliza a mentira para fortalecer a Igreja, sendo assim necessário envergonhar toda a sabedoria deste mundo e defender a degradação fisiológica do cristão (mortificação do corpo).

A minha voz alcança até os duros de ouvido, Nietzsche interroga: Com que se prova a promessa do além que o padre diz? Psicologia da crença, esta que torna venturosa, então é verdadeira, pois, esta condição de promessa (crença) proporciona segurança e esperança após vida e salvação para o fiel.

Mas, o que é o cristianismo? Nietzsche dirá que o cristianismo é o movimento de ascensão do niilismo como fenômeno histórico-mundial, uma vez que este iniciará reunido e sistematizado, universalizado e ao mesmo tempo, transmissor que trará a tona todos os ritos e cultos subterrâneos do Império romano. O sem sentido de todas as espécies doentias de razão é o cristão.

A arte da décadent ingênua derrubou Israel. O cristianismo com seu anúncio de desvalorização e negação do mundo estabeleceu o portal do reino dos céus e se arvora das chaves deste reino. Os sacerdotes como intermediários do Absoluto se portam como dogmáticos e idealistas, vêem todas as coisas abaixo de si, pois, são detentores de todos os grandes conceitos, além de possuírem a pureza, castidade, humildade, obediência e pobreza, virtudes que o torna fidedigno do reino dos céus ou para a teologia imaginária, segundo Nietzsche, pois o cristianismo não possui nenhum ponto de efetividade.

Porém, qual o objeto de Nietzsche? Reconstituir a história de um imenso mal entendido da figura de Jesus de Nazaré (tipo psicológico do Redentor). A operação metodológica se baseia na restauração dos traços mutilados de seu tipo psicológico e despojá-lo de estranhos elementos acrescidos à pessoa de Jesus. Sua intenção é retomar o empreendimento historiográfico do Redentor.

Seus trunfos utilizados serão: a filologia, a análise dos fatos, análise dos instintos que acreditara chegar mais próximo dos traços do caráter do nazareno. Pseudo herói, espírito livre, o único cristão que existiu, autêntico humano e por fim idiota. Idiota? Do termo erudito alemão eigener, caracteriza-se pelo leigo, desprovido de refinamento científico ou artístico, porém, o indivíduo original, alheio a realidade prosaica dos negócios e afazeres, em outras palavras, o inocente infantil, fusão sublime (as mesmas características do idiota da obra de Dostoievski)

Quem é Jesus? Para Nietzsche, o único espírito livre, pois, superou e ultrapassou seus preconceitos e estados vividos. Não abriga em si ressentimentos. A fundamentação fisiológica do seu evangelho diminui a distância (que antes existia) entre Deus e homem. Jesus vivencia o reino de Deus, que é uma experiência no coração, que está em toda parte e em lugar nenhum, isto é, a presença onipresente, onisciente e onipotente de Deus e seu reino.

A morte do Redentor decerra o abismo entre judeu e cristão. A figura de Jesus resgata a rebeldia, desordem e ao mesmo tempo a singeleza, o que transmuta da cristandade (vivência do reino de Deus) para o cristianismo (promessa do reino de Deus).

Mas, o que fez Paulo? Paulo deturpou o ensinamento de Jesus e condenou tudo, negou o mundo. O cristianismo de Paulo é história da salvação e Israel pré-salvação. O mundo se torna passagem para o céu, a vida perde sentido de vida e por fim, Paulo prega Jesus em sua cruz. Para Nietzsche, a vitória definitiva de Paulo contra a Grécia, e contra Roma encontra-se transfigurada na sublime simbologia do crucificado, signo supremo do triunfo do ponto de vista judaico da valorização, enquanto aquele a partir de cuja perspectiva é instituída os supremos valores da cultura ocidental (cf.GIACÒIA, 1997, p.83).

Referências

GIACÒIA JR, Oswaldo. Labirintos da alma: Nietzsche e a supressão da moral. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2002.





Do giro lingüístico até Foucault

Do giro lingüístico até Foucault

[1]Charles Fernando Gomes

A centralidade no signo da linguagem e suas funções (sintática, semântica, pragmática e hermenêutica) é a base do giro lingüístico (ou virada lingüística) que ocorreu nos séculos XIX e XX. A linguagem constitui o mundo, forma o mundo que é construído, por isso não é mais teoria do conhecimento (conhecimento dado), mas epistemologia (conhecimento construído). A fala une, alia e junto às realidades.

As funções da linguagem são: Sintaxe, a linguagem formal, pura sem contradições e nem interpretação, como a linguagem cientifica. Semântica, a linguagem formal empírico, concepção cientifica (ciência), certeza e precisão. Pragmática, uso, utilização ordinária da linguagem, comunidade. Hermenêutica, sentido, interpretação (metáfora, poesia).

O termo giro lingüístico foi elaborado por Rorty. Foi Rorty que realizou a junção da filosofia da linguagem de tradição Analítica (EUA, Inglaterra e o Círculo de Viena) que integra os filósofos Wittgenstein I, Russel, Frege, Carnap, Ryle e Searle e da tradição Continental (França e Alemanha) que integra os filósofos Heidegger, Habermas e Foucault e a partir de 1950 os filósofos da mente Austin, Putnam e Davidson.

A tradição Analítica defende o uso da linguagem lógica e matemática, que expresse certeza, exatidão e ordenação o que defere da tradição continental que defende o uso da linguagem hermenêutica, isto é, a exegese, a analise dos significados, símbolos e signos. A investigação da historia e a analise do homem que se insere no contexto desta história (formação de intersubjetividade e estudo das comunidades).

A preocupação filosófica que se encontrava na consciência com os filósofos modernos (Descartes), passa para a linguagem e suas específicas funções, pois ela (a linguagem) possibilita a relação sujeito e objeto, descreve o mundo e seus fatos e predomina em todas as instâncias da existência (o homem pensa e pensamento é linguagem) humana.

A filosofia da linguagem, no viés analítico, possui como precursores os filósofos Frege, Quine e Russel. Esta tríade é que deu o pontapé inicial a filosofia analítica. Na proposta de Frege está uma ideografia cuja função seria justamente corrigir a inadequação no que diz respeito à expressão da verdade cientifica. Para ele nós nascemos e aprendemos à linguagem natural, isto é, nossos sentidos, emoções e imaginações (nossa vida mental), e o mundo corrompe a linguagem natural, por isso é preciso purificar a linguagem natural, ou seja, descreve-lo de forma lógica e formal.

No projeto de Quine está vinculado o conceito empirista, ele afirma que o material de nosso conhecimento é fornecido por estimulações sociais e a mediação da linguagem é nossa proposição e só há modificação no interior de nossa linguagem ou na teoria. A cor azul existe? Para Quine, ela não possui significado, mas é significativa, pois, existe algo que se refere ao azul e não o azul, pois, existem azuis e não o azul.

Para Russel, a filosofia é como uma terapia, uma atividade de clarificação lógica da linguagem. Parte da distinção entre a forma lógica e a forma superficial das expressões lingüísticas, desconfia da linguagem natural como geradora de equívocos e acredita que a analise lógica será capaz de esclarecer esses equívocos. Russel é metafísico e postula o atomismo lógico, tem um fundamento lógico que podemos chamar de pluralismo ontológico.

Carnap propõe uma linguagem formal que nela só se falaria de enunciados, sentenças e seus significados, de nexos definitórios entre expressões e relações de dedutibilidade entre sentenças. A tradução numa linguagem formal cita os erros e impressões da linguagem natural, bem como reduz a questão filosófica a problemas epistemológicos, já que a metafísica é desprovida de sentido empírico, e, portanto, desprovida de qualquer sentido. A tarefa da epistemologia, segundo Carnap, é a de justificar como um conhecimento é um conhecimento autêntico.

Ryle se preocupou com o exame e uso dos conceitos da linguagem ordinária e se prestou a resolver uma série de problemas que aparecem em forma de dilema. De acordo com as leis do jogo lingüístico pode-se informar ou negar um enunciado e suas sentenças. Existem três classes de sentenças: as teóricas “se - então”, as hipotéticas práticas “portanto” e as explicativas “porque”. De acordo como utilizamos as palavras em uma sentença pode ser considerada falsa, verdadeira ou questionável. Assim sendo a utilização de palavras como “enunciados, preposições ou juízos” que podem funcionar como premissa ou como conclusão de um enunciado, que é verdadeiro ou falso.

A filosofia pré wittgensteiriana analisa a verdade e a falsidade do que se fala no mundo Realiza a análise textual, semântica, sintaxe e as condições de validade do texto do mundo. Com Wittgenstein, a prerrogativa coloca o sujeito falante dentro do texto e analisa a fala do sujeito que faz uso da linguagem. A investigação passa do texto para o contexto que esta inserida dentro de um jogo que segue regras. Aquilo que é jogo de linguagem em Wittgenstein e ato de fala em Austin, a performance do sujeito nos atos de fala, performance de quando o ato de falar é o que e quando o ato de alguém é falar.

Austin irá dizer que eu posso entrar no mundo de duas formas, que são: constatativo e performativo, a constatação com atuação é que dará veracidade ou falsidade do texto. Agora tudo é linguagem que se insere no contexto. Os atos de fala estão divididos em: locucionário (emitir fala), ilocucionário (expressão) e perlocucionário (força do dizer, ação e persuasão).

Searle investiga a linguagem partindo de seu cotidiano ordinário, de sua formulação enunciativa em atos de fala. Com as especulações sobre a linguagem ele ajunta também a da mente. A preocupação de Searle é fazer uma conjugação da existência do cérebro, da linguagem e da sociedade, a fim de entender a produção interna da consciência. Ele inicia seus estudos com a pergunta: Como as palavras se relacionam com o mundo?

As frases são instrumentos do falante para expressar uma realidade, devido ao significado do falante ainda ser uma forma primária de significado lingüístico. Significado é uma forma de intencionalidade no interior de um emissor e é transferido em palavras. O limite da significação é o limite da intencionalidade. A comunicação tem por finalidade de levar o entendimento desejado pelo falante. A fala é uma emissão de som produzida por um processo biológico, mas que adquire uma semântica de proporções variadas. Um ato de fala requer certo tipo de comportamento e um uso e situação.

Assim, Searle postula a redescoberta da mente, a linguagem como prerrogativa do cérebro, porém de que é municiado o cérebro? Da linguagem. Mas de onde provêm à linguagem? Da sociedade. Segundo Searle há cinco tipos de finalidades ilocucionárias: assertiva, diretiva, compromissiva, expressiva e declarativa[2].

Rorty almeja colocar a filosofia na trilha da redescrição e resignificação, dar novos significados e descrições a filosofia. Utiliza-se da metáfora e da redescrição. Ele transpôs a barreira da pura pragmática e entra também na linguagem hermenêutica, unificando assim duas tradições (analítica e continental).

O que é importante é a idéia de metáfora e dos processos de redescrição ou redefinição da realidade das mesmas coisas. O mundo não muda, estamos redesenhando as mesmas coisas, pois a realidade é sempre a mesma e a riqueza do ser humano esta na capacidade de resignificar o mundo.

Putnam trabalha com a realidade e o relativismo no uso da linguagem. Para o filósofo as línguas humanas são possíveis pelo realismo interno do cérebro, donde não há critério de verdade devido a ela ser relativa e subjetiva. Davidson assume a linguagem e sua veracidade como um ato de crença, quase uma atitude religiosa diante da fala do sujeito, isto é, você precisa acreditar no que discursam, sendo um ato metafísico.

Para Heidegger a linguagem é local aonde o ser se revela, a linguagem como possibilidade de fundamentação do real. Fazer a experiência da linguagem originária e não da objetivizada. Heidegger afirma que os metafísicos no passado não conseguiam dar conta do mundo e do homem. Sua preocupação é o ser, dasein (o ser aí), a poesia é capaz de dizer o mundo, pois a linguagem poética capta o fluir e o movimento das coisas. O ser permite a existência do ente, mas nunca será ente, e definir o ser é torná-lo ente. Neste mecanismo o poeta e o pensador falam do ser e do nada, pois a poesia possibilita a linguagem.

Habermas critica o cientificismo e o tecnicismo. Suas idéias fundamentais são a teoria comunicativa, a defesas da existência (esfera pública) e as ciências naturais e humanas. Para Habermas há uma força emancipatória (na modernidade), uma força produzida por ela mesma, é a razão comunicativa, ou seja, o paradigma da intersubjetividade.

Racionalidade comunicativa, isto é, interação, intersubjetividade dos falantes (atos de fala: conteúdo proposicional, conteúdo normativo e conteúdo pessoal). A ação ajusta-se ao mundo, seleciona algo do mundo, e nisso é orientada por pretensões de validez criticáveis. O mundo se relaciona com o sistema numa “forma de vida“ que encaminhe ao entendimento.

Validade e verdade. Para validar depende de uma pragmática intersubjetiva e não de uma ontologia, pois, a linguagem se constitui como meio para interação social. Para falar não é necessário uma autoridade, um referencial externo ou superior para que eu possa me comunicar, pois, toda comunidade é mundo da vida e sistema. A linguagem norteia a relação do sujeito.

Foucault utiliza-se da linguagem como análise constitutiva do discurso. Falar é criar uma situação, é investir a fala como prática entre outras práticas e a inovação em Foucault esta em interrogar o gesto enigmático que existe nos discursos de verdade, porém o que há de tão perigoso? Ele responde que a sociedade produz discursos de desejo e poder e nestes insere-se discursos de verdade, sistemas de exclusão e formas de conhecer e saber.

Foucault realiza a análise dos procedimentos de controle e de delimitação do discurso (procedimento interno). Os princípios de inversão (reconhecer a negatividade do discurso), descontinuidade (discurso com prática descontínua), especificidade (discurso com violência às coisas) e exterioridade.

Por fim, o problema da referência se determina segundo Foucault, através não somente de uma relação a um objeto, mas sim a toda estrutura que impregna o modo de pensar tal objeto, e que determinam o que este é naquele dado momento histórico, sendo assim o objeto não constituído como algo em si, mas sim o fruto de uma série de enunciados. Assim a linguagem ou as práticas discursivas se arvoram de punição, vigilância, domínio, poder, detenção, controle e verdades, sejam estas, disciplinares do corpo (biopoder), religiosas, científicas, políticas e institucionais (macro poderes e micro poderes).

Referências

ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2008. v. 1. 279 p.

ARAÚJO, I. L. Introdução à Filosofia da Ciência. 3. ed. Curitiba: Ed. UFPR, 2003. v. 1. 232 p.


[1] Graduando em Filosofia pela PUCPR.

[2] Assertiva: condição preparatória que o falante tem razões ou evidencia do conteúdo proposicional. Condição de sinceridade: que o falante creia no conteúdo proposicional. Exemplos: afirmar, argumentar, informar, testemunhar;

Diretiva: Ordens expressas, linguisticamente por imperativos; condição: representar ação lingüística do ouvinte. Condição preparatória, que o ouvinte seja capaz de levar a cabo a ação. Condição de sinceridade, o falante deseja que o ouvinte leve a cabo a ação. Exemplos: pedir, ordenar, sugerir, solicitar, recomendar;

Compromissiva: Condição: que o conteúdo proposicional se refira a uma ação futura do falante. Condição de sinceridade que tenha intenção de fazê-los. Exemplo: prometer, ameaçar, aceitar, garantir;

Declarativa: O conteúdo proposicional apresenta uma ação atual do falante: Condição preparatória: o falante deve ser crer que é capaz de realizar essa ação com a sua enunciação. Condição de sinceridade. O falante deve crer que é capaz de realizar a ação e desejar realiza-la. Exemplo: declarar, excomungar, batizar, nomear;

Expressiva: é sempre função de um estado psicológico particular. É linguisticamente expressa por exclamativos. Exemplos: agradecer, felicitar, deplorar.