domingo, 20 de julho de 2008

Jalal ud-Din ibn Mohammed al-Balkhi Rumi


RUMI, Jalal ud-Din. Poemas Místicos/ Rumi: Seleção de poemas do Divan de Shams de Trabiz. Trad. e introd. de José Jorge de Carvalho. 1ª. Ed. São Paulo: Attar Editorial, 1996.

Charles Fernando Gomes[1]

Jalal ud-Din ibn Mohammed al-Balkhi Rumi[2] (1207-1273) nasceu na pequena aldeia de Waksh (hoje no Tajiquistão), sob a jurisdição de Balkh (hoje no Afeganistão), vindo a falecer em Konya, na Turquia. Rumi (filósofo e teólogo) pertence à seleta categoria daqueles que foram capazes de penetrar simultaneamente as esferas do divino e da criação poética como São João da Cruz, Tereza de Ávila e Hildegard de Bingen. Foi contemporâneo de Francisco de Assis[3], o qual nas palavras do teólogo Clodovis Boff[4], foi semelhantemente grandioso e místico na relação amorosa que possuía com o Sagrado.

O tradutor da obra José Jorge de Carvalho, considera-o como o sendo o mais importante autor da poesia mística persa que já existiu. Uma coisa é um bom homem; um amante, outra muito distinta, de fato, o poeta fala a partir e à Deus, ou seja, como um verdadeiro amante que o conhece e se deixa desvelar. Rumi contempla a face misteriosa do Absoluto entre as linhas e entrelinhas de seus poemas místicos, o que o faz um amante insaciável, que respira, transpira, sente e alimenta-se do supremo e de sua íntima relação com o inefável.

São 79 poemas que retratam a celebração do encontro do poeta místico com seu Amado, amigo e amante sob a direção de seu mestre Shams ud-Din de Tabriz. A beleza e a força de seus poemas extravasam uma profunda experiência místico-amorosa partilhada por esses dois mestres. Entre eles há um profundo intercâmbio e comunhão de naturezas. Rumi, a personalidade serena, cultivada nas letras clássicas, havia seguido uma trajetória exatamente à imagem de seu pai[5]. Shams, um espírito livre de biografia, patrimônio ou genealogia, impulsivo, indiferente às convenções e a todo saber estabelecido, havia crescido à custa de constantes e sucessivas rupturas e desmascaramentos. Ao encontrá-lo, Rumi, o Maulana (significa mestre), esvaziou-se de vez de todo saber supérfluo e preencheu-se de avassaladora inspiração mística e poética. Quanto a Shams, aquietou-se, aceitando finalmente submeter-se a um mestre à altura de sua exigência. Ambos os mestres, assim mutuamente se tratavam. Shams foi claro ao afirmar que sua relação com Rumi estava além do modelo mestre-discípulo (cf. CARVALHO, 1996, p.20).

O encontro de Rumi com seu mestre é conhecido na tradição Sufi como o encontro de dois oceano[6]. Porém o despeito, ressentimento e ciúme gerados pelos discípulos de Rumi frente ao enamoramento espiritual do mestre com Shams causaram uma cisão levando Shams a partir e seguir seu caminho como um peregrino. Há diversas fontes que narram esta cisão de diferentes formas, mas todas se assemelham ao relatar o desespero e a angústia que sofreu Rumi por não mais encontrar seu mestre amado.

Comentaristas, estudiosos, buscadores espirituais e apaixonados por essa divina história de amor humano dizem: Rumi finalmente encontrou o Sol de Tabris dentro de si, com ele viveu até a morte (...). Shams vivia definitivamente no coração de Maulana Rumi (cf. CARVALHO, 1996, p.25). O poeta havia encontrado o segredo do Criador, o mar e pérola de uma só vez, o tu e eu, ou seja, essas duas almas iluminadas protagonizaram o encontro sublime de dois mestres da luz.

“Em busca do amado contemplei enfim meu próprio coração, e lá o vi, não era outra sua morada (...). Corramos a casa do amado (...). Jurei por tua vida jamais desviar os olhos de tua face (...). Não buscarei em mais ninguém, pois, a causa de minha dor é ver-me longe de ti (...) Viaja dentro de ti. Faltam-te pés para viajar? Viaja dentro de ti mesmo, e reflete, como a mina de rubis, os raios de Sol para fora de ti. A viagem te conduzirá a teu ser, transmutará teu pó em ouro puro (...). É o Sol de Tabriz que opera todos os milagres: Toda árvore ganha beleza quando tocada pelo Sol” (RUMI, 1996, p. 64, 70, 76, 77, 80 e 81).

O amado e o amante. Rumi e Shams são as personificações do encontro que também é desencontro entre duas grandes almas. Estar diante da face do Sagrado é encontrar-se e perder-se no mesmo instante. A entrega ao divino transmutado em amor humano revela a tamanha grandeza desse derramamento de nascentes em um mesmo rio que se torna oceano e permite o banhar de ambos nesta luz resplandecente que é digna de muita reverência e total silêncio frente aos “Imperadores da luz divina”.

“Vem. Te direi em Segredo aonde leva esta dança. Vê como as partículas do ar e os grãos de areia do deserto giram desnorteados. Cada átomo feliz ou miserável, gira apaixonado. Em torno do Sol” (RUMI, 1996, p. 170). O Sultão Walad filho dileto, seu biógrafo e sucessor foram o primeiro intérprete e exegeta da obra de Rumi e também fundador da ordem sufi Mevlevi, conhecida como a ordem dos dervixes girantes ou dançantes. Os poemas do místico persa evidenciavam sua semelhança aos planetas que giram em torno do Sol, porém ele radiosamente gira em torno de seu amado mestre espiritual Shams que emana luz solar sobre sua vida.

Os planetas, as galáxias e os astros resplandecem de luz, luz esta que provém do Astro Rei. Rumi simboliza a simetria de todo cosmo, de toda atmosfera que depende do calor para sobreviver. Sua transcendência depende tão somente desta mensagem de sabedoria que ecoa e vêm do universo e em Shams se sintetiza na mais sublime comunhão de duas vidas, duas almas que brilham sobre a aurora da revelação da luz eterna. Eles se doam mutuamente tornando-se apenas um. O UM que Rumi enxerga na expressão do Divino na face do mestre Shams.



[1] Postulante da Ordem dos Servos de Maria

[2] Nome completo do poeta místico Rumi

[3] São Francisco de Assis (1181-1226) foi um frade católico, fundador da "Ordem dos Frades Menores", mais conhecidos como Franciscanos. Foi canonizado em 1228 pela Igreja Católica.Por seu apreço à natureza, é mundialmente conhecido como o santo patrono dos animais e do meio ambiente: as Igrejas católicas costumam realizar cerimônias em honra aos animais próximas à data que o celebram, dia 4 de outubro.

[4] Padre frei Clodovis Boff osm, Doutor em Teologia e Filósofo

[5] Seu pai Baha’ ud-Din Walad,(teólogo e mestre espiritual), com quem aprendeu teologia e literatura clássica árabe

[6] O sufismo (árabe: تصوف, tasawwuf; persa:صوفی‌گری Sufi gari) é a corrente mística e contemplativa do Iislão. Os praticantes do sufismo, conhecidos como sufis ou sufistas, procuram uma relação direta com Deus através de cânticos, música e danças. O termo sufismo é utilizado para descrever um vasto grupo de correntes e práticas. As ordens sufis (Tariqas) podem estar associadas ao Iislão xiita ou uma combinação de várias correntes. O pensamento sufi nasceu no Médio Oriente no século VIII, mas encontra-se hoje por todo o mundo. Na Indonésia, atualmente a nação com maior número de muçulmanos, o Iislão foi introduzido através das ordens sufis.